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Historiador Roger Chartier diz que a web mudou a forma de escrever

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Bolívar Torres, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - A análise da trajetória humana pela evolução da linguagem escrita e seus suportes é um dos pilares do pensamento do francês Roger Chartier, ex-diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris e um dos principais historiadores historiadores do século 20. Para o intelectual, um texto não é uma abstração, só existe realmente em função da maneira como é escrito e digerido. A ideia se tornou ainda mais pertinente com a chegada do computador e da internet, responsáveis pelo maior terremoto no mundo da escrita e da leitura desde Gutemberg. No Brasil para a série de conferências do ciclo A França volta ao Petit Trianon, que dá continuidade às comemorações do Ano da França no Brasil na ABL, na qual dará quinta-feira a conferência A História, representação do passado e medida do tempo, Chartier vê a web como um terreno de contradições, fragmentações e paroxismo.

A textualidade eletrônica poderia ser vista como uma revolução porque, pela primeira vez, temos uma mudança em todos os níveis: não apenas tecnológica, mas também da forma e do suporte avalia o historiador. Além da técnica e da disseminação, a substituição dos meios da cultura impressa pela tela do computador implica uma mudança morfológica, que atinge a forma da escrita e a relação do texto com o leitor. Por outro lado, não se pode supor que as técnicas em si fazem a diferença. O que conta é a maneira como as pessoas as utilizam.

A disseminação da textualidade eletrônica provocou uma nova abordagem do texto, com outros hábitos e costumes.

A leitura na tela é mais dispersa, se dá por uma sucessão discontínua de fragmentos define Chartier ao Jornal do Brasil. Enquanto a leitura impressa é guiada por uma noção de unidade.

No que diz respeito à internet, um espaço extremo que leva aos limites todas as práticas surgidas ao longo da história da escrita e da leitura, a fragmentação resulta, paradoxalmente, numa espécie de homogeneização. Todo texto tem o mesmo status do outro (já que são publicados na mesma rede), descolando-se, assim, da hierarquia (ou grau de veracidade ) presente na cultura impressa e eliminando pontos de referência para o leitor.

O mundo eletrônico multiplica os erros e a falsificação com muito mais força afirma. É mais difícil para o leitor se guiar. Por outro lado, remete a práticas do século 16, como a circulação clandestina de textos proibidos pela igreja ortodoxa. É um instrumento ágil contra o totalitarismo, como comprova recentemente o uso do twitter em relação ao Irã.

O historiador, porém, não acredita que se pode decretar o fim do texto impresso, já que ainda existe uma convivência tensa entre as duas mídias. De um lado, uma geração eletrônica, que dedica a maior parte do seu tempo à leitura na tela; do outro, uma geração apegada ao impresso. Mas o que nos reserva o futuro? Estaríamos vivendo um momento de transferência gradual e definitiva para os dispositivos puramente eletrônicos?

Não há como saber responde Chartier. Mas por enquanto os editores que tentaram produzir material exclusivamente para o eletrônico não tiveram sucesso. É importante manter a pluraridade e a riqueza de alternativas. Pela primeira vez na história podemos dispor da possibilidade de produzir cultura impressa e ao mesmo tempo utilizar a tecnologia eletrônica. É absurdo pensar que uma delas substitui todas as outras. Acredito que o desafio do estado hoje é incluir o grande número de pessoas sem intimidade com o eletrônico e estimular os mais jovens, que já nasceram sem o hábito do impresso, a se aproximar dos livros e jornais.

A crise da imprensa provocada pelo advento da mídia eletrônica (e que atinge jornais do porte do The New York Times) também é um assunto ainda sem previsões.

Atualmente, podemos ler um mesmo jornal em forma impressa ou eletrônica. Mas não lemos as mesmas coisas. Na tela do computador costumamos procurar um artigo em especial, a partir de rubricas, temas ou palavras-chave. Já se folhearmos um jornal impresso construímos um sentido de totalidade do veículo como um todo, uma lógica espacial e contextual, que inclui os colunistas, as fotos e até a publicidade.