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Os bons tempos da boate Hippopotamus voltaram (só por uma noite)

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Ricardo Schott, Jornal do Brasil

RIO - "Fui outro dia numa boate aqui no Rio e não entendi nada", diz, meio rindo, meio lamentando, o fotógrafo Rogério Ehrlich, acostumado a clicar a noite carioca desde os anos 70.

- Eu já tinha estranhado não conhecer mais ninguém que estava ali. Fui todo revistado, pediram meu nome, endereço e telefone, passaram detector de metais e ainda tiraram minha foto. Acabei perguntando: 'pô, tô entrando numa boate ou num presídio?'.

Autor de cliques que contam a história de tempos noturnos que não voltam mais (e que podem ser vistos em seu site www.aproposito.net), o experiente Ehrlich é um dos que sentem saudades da Hippopotamus, boate que funcionou de 1977 a 2001 atrás da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, exatamente onde está hoje a badalada (e controversa) Baronetti. Que vai, nesta próxima terça-feira, ter sua noite de Hippo, pelo menos uma vez. Comemorando o aniversário de um ano do programa Paradiso Disco Club, da Rádio Paradiso, um grupo de DJs responsáveis por fazer a pista da antiga boate bombar (numa época em que ainda nem se usava o termo) uniu-se ao empresário Rick Amaral filho do chefe da antiga Hippo, o antológico Ricardo Amaral para fazer a festa especial Hippo Revival. Nas pick-ups, André Werneck, Marcelo Maia, Luciano Jacaré, Ricardo Araújo e o convidado Rodrigo Vieira filho da atriz Suzana Vieira, hoje DJ de música eletrônica em Miami mandam bala em sons dos períodos mais áureos e loucos do local (anos 70 e 80). Para garantir o clima, a lista vip estará repleta de celebridades da época. Pelo menos as que ainda saem à noite.


Fotos de Rogério Ehrlich

Niki Lauda descalço

A pista que já teve como habitués nomes como Zózimo Barroso do Amaral, Gal Costa, Pelé, Roberto Carlos, Emerson Fittipaldi, Gilberto Braga, Luiza Brunet e o hoje secretário de transportes Julio Lopes revive por uma noitada. E deve balançar até quem não estava lá para ver cenas como a do piloto de Fórmula-1 Niki Lauda entrar descalço na boate, após ter sido barrado na porta por estar de tênis (só se entrava lá de sapatos e camisa social). Ou quando um segurança de Prince, durante uma passagem do cantor pelo Brasil, abordou a atriz Maitê Proença (acompanhada do marido), com quem o baixinho queria (apenas) dançar.

- A festa terá o conceito do nosso programa, que é o de tocar o som que rolava nas boates nessa época - diz Werneck, que contava com o próprio Amaral como colaborador e promete pérolas que só rolavam na minúscula pista própria para 40 pessoas da Hippo. - Lançávamos coisas como a mixagem de New York, New York que unia as gravações de Frank Sinatra, Liza Minnelli, Mireille Mathieu, Shirley Basey e Steve Lawrence. Isso não tem como deixar de tocar. Quando Ricardo Amaral não gostava de uma música, quebrava até os discos. Ele também trouxe dois compactos da Itália com a música Love italiano, de um sujeito chamado Filipponio, e a canção virou um dos hits da casa.

Roberto Carlos, não

Como DJ sempre é meio testemunha ocular da história (quando não está de olho nas carrapetas, é claro), coube a Werneck, que começou lá em 1984 e hoje é requisitadíssimo, presenciar momentos inusitados.

- Uma vez, a Myriam Rios, casada com o Roberto Carlos, resolveu comemorar aniversário lá. O Roberto, claro, foi. Só que o DJ tinha ordens para não tocar nenhuma música dele. Numa hora, o Roberto, a Myriam, o Ricardo Amaral e a Gisela Amaral estavam sentados na mesa e o DJ não aguentou: tocou logo Emoções - entrega Werneck, rindo. - Ficou um clima pesado, mas o Roberto puxou a Gisela para dançar, e o Ricardo fez o mesmo com a Myriam. Todos adoraram.

Já a apresentadora Monique Evans recorda da Hippo como um lugar em que todos podiam ficar à vontade.

- Não tinha paparazzi, você conseguia ver as pessoas mesmo estando escuro - afirma ela, que foi lá muitas vezes com o então namorado Antenor Mayrink Veiga, queridíssimo da mulherada local.

- Mas quando ele saía comigo, nem olhava para os lados - garante Monique, recordando também um famosíssimo corredor que unia os banheiros masculino e feminino. - Ih, aquele espaço deve ter altas histórias. Tinha uma senhora que tomava conta do banheiro que contava altos casos de madames bêbadas por lá.

Ehrlich confirma:

- Neste corredor, sempre tinha umas pessoas impublicáveis que não podiam estar se agarrando ali.

Lugar da sapataria

Aparentemente, todos os que freqüentaram a Hippo foram meio testemunhas de alguma coisa. Montada em 1977 no terreno onde havia a tradicional Sapataria Estrela da Paz a antiga casa foi demolida para dar lugar ao prédio de dois andares a boate já foi planejada como um lugar para atrair estrelas. Como já era a Hippo paulista, montada em 1974 por Ricardo Amaral, e que durou 10 anos. Dono de vários endereços badalados no eixo Rio-SP, Amaral ganhou do amigo francês Olivier Coquelin o nome e o logotipo de uma boate que montara em Nova York. Nascia assim a Hippopotamus uma grife que passou a atrair colunáveis, artistas, empresários e políticos do outro lado da ponte aérea e, em Ipanema, duplicou a marca. A casa virou um dos símbolos da onda da discoteca a ponto de cenas da novela Dancin' days, de Gilberto Braga (1978), serem feitas lá. Os atores que faziam o casal teen da novela, Lauro Corona e Glória Pires, apareciam na pista, às vezes.

Ilusão de ótica

Entre os charmes do local, estava a união de decoração moderna (do prestigiado Gilles Jacquard) e toques naturais. Ao fundo da pista, havia novidades, como um jardim tropical separado por uma divisória de blindex, na qual escorria água ininterruptamente. É hoje algo que se vê em qualquer restaurante, mas era curtição absoluta na época. "Transmite subliminarmente a impressão de que está chovendo. É aí que o cliente considera perdida a praia do dia seguinte e manda o garçom trazer mais uma garrafa", acreditava o colunista social Zózimo Barroso do Amaral em texto publicado no Jornal do Brasil de 30 de outubro de 1977. Outro detalhe era o fato de a casa funcionar como um clube pelo menos foi assim até seus últimos anos. Para frequentar, era preciso ser indicado por algum sócio, ou estar na lista de alguma festa. A seleção de clientes, por vários anos, ficou nas mãos de nomes como Danuza Leão e José Walter Girão de Mello. E envolvia celebridades internacionais.

Gringos doidos

- Todo mundo do cenário internacional que vinha ao Rio ia parar na Hippopotamus - diz a promoter Ana Maria Tornaghi, grande frequentadora da casa e saudosa de um tempo em que, afirma, havia aonde ir à noite. - Antes da Hippo, havia lugares como o Calígula, o Régine e o Flag, e todos bombando.

Ehrlich e seu colega de profissão Ronaldo Zanon que, nos anos 80, passaria a ser o fotógrafo oficial da casa se animam ao lembrarem os famosos que iam lá.

- Não era como hoje, em que fica essa selvageria de gente atrás de cliques. Até porque, para onde você olhasse, havia gente para clicar. Você podia estar sentado com o Pelé e a Gal Costa, e de repente, quem vinha lá? A Margaux Hemingway! E a mulherada do Brasil deixava os gringos doidos - conta Ehrlich, autor de um engraçado clique em que Niki Lauda, já meio alto, levava uma solene banana de uma garota que tentava paquerar.

Em outro momento, era a atriz Ursula Andress que, de pileque, fazia um brinde e posava com uma taça de champanhe. Antes mesmo das marias-chuteira, os jogadores de futebol já frequentavam o local.

- Quando o Flamengo ganhava, sempre tinha festa lá. O Márcio Braga levava até o troféu - conta.

Até mesmo um pós-adolescente Romário, acompanhado da então namorada Mônica Santoro, foi se divertir, em 1986, quando era uma estrelinha em ascensão no Vasco da Gama.

Até tu, Axl Rose?

Zanon, que pegou dos anos 80 aos períodos finais da Hippo quando já não era exclusiva de sócios é outro que viu (e captou) momentos raros.

- Vi o Roberto Carlos e a Maria Rita lá quando estavam começando a namorar. Quando o U2 veio ao Brasil, em 1998, esteve na casa e passei horas conversando com o Bono e The Edge, mas não fiz foto deles. No final, Bono pegou um papel e desenhou uma caricatura minha. Na época do primeiro Rock In Rio, em 1985, aquilo ficou cheio - afirma Zanon, que certa vez disparou sua câmera na direção do agressivo Axl Rose, durante uma das passagens do Guns'N'Roses pelo Rio. - Foi na época daquele show que ele atirou cadeiras nos jornalistas no saguão de um hotel (1992). Comigo ele não foi agressivo. Pedi para tirar uma foto, e ele deixou. Mas como a foto teria que mostrá-lo acompanhado de alguma mulher bonita, até para ter valor para coluna social, pedi que as modelos Mariane Cotrim e Gisele Fraga, que estavam do lado, posassem.

Sem explicação

Na terça, o reencontro com esse universo está garantido.

- Já tínhamos relembrado a Hippo numa festa no Canecão, mas agora é a primeira vez que vamos fazer numa boate - conta Werneck, saudoso de tempos que todos consideram mais risonhos e francos na noite carioca. - A Hippo era um lugar mágico. Não tem explicação.

Já Ehrlich emociona-se.

- Tudo lá era motivo de festa, todo mundo se conhecia. Só posso sentir saudades - completa.

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Hippo Revival Baronetti - Rua Barão da Torre, 354, Ipanema. 3ª, às 21h. R$ 80 (masculino) e R$ 60 (feminino). Ingressos e camarotes, tel.: 8300-6070.