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Depois de série de TV, personagem Capitu é tema de livro

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Renata Leite, Jornal do Brasil

RIO - Dominar os caminhos obscuros do romance entre Capitu e Bentinho, personagens machadianos clássicos, não é para qualquer um. Para que a equipe e o elenco da minissérie Capitu exibida pela Rede Globo, entre os dias 9 e 13 de dezembro do ano passado conhecessem mais a obra e seus protagonistas, o diretor Luiz Fernando Carvalho convidou estudiosos de Machado de Assis para uma imersão no mundo de Dom Casmurro.

Por dois meses, nomes como o psiquiatra e analista junguiano Carlos Amadeu Botelho Byington e os psicanalistas Luiz Alberto Pinheiro de Freitas e Maria Rita Kehl puseram o casal no divã. As análises renderam, além da confecção da minissérie, o livro Capitu, lançado agora pela editora Casa da Palavra, ilustrado com imagens do projeto e dos bastidores das gravações.

Os textos gerados compõem a primeira parte da obra literária e ajudam o leitor a entender as nuances do romance. Também deram palestras o historiador Antonio Edmilson Martins Rodrigues, que falou sobre a modernidade da obra e sua relação com a cidade do Rio de Janeiro; o professor e escritor Gustavo Bernardo, que comentou o caráter revolucionário e subversivo de Dom Casmurro; e o diplomata e ensaísta Sérgio Paulo Rouanet, que enfatizou a importância da eterna dúvida na obra aberta.

De relevância unânime entre os estudiosos, o mistério sobre a traição de Capitu foi mantida pela equipe da minissérie.

Como é que esse homem, com a origem que teve, em pleno século 19, pôde chegar a essa proposição, erguendo um texto com modernidade formal e sem abrir mão de uma sensível reflexão sobre as facetas da alma humana? questiona Carvalho, no blog criado para a minissérie (https://capitu.globo.com), sobre o escritor mulato e pobre, que nasceu no morro do Livramento, no Rio, em 1839.

Um dos intelectuais convidados para as oficinas, Rouanet explica que com o passar dos anos houve uma reviravolta na leitura de Dom Casmurro. Num primeiro momento, era ingênua e não punha em xeque a veracidade do relato da obra.

Até que, em 1960, a autora inglesa Helen Caldwell defendeu pela primeira vez a inocência de Capitu. Estava iniciada a polêmica que se mantém até hoje.

Atualmente, críticos literários e professores propõem uma terceira leitura, na qual a questão da existência ou não do adultério não passa de bisbilhotice.

Ela não é importante, mas sim a inovação da obra aberta a interpretações várias. Rouanet aponta ainda uma quarta leitura, defendida principalmente pelos mais jovens, de que Bentinho foi traído e mereceu seu destino, por ser um personagem pedante e histérico.

Essa visão refletiria a emancipação da mulher na modernidade.

Em minhas palestras, abordei uma dimensão psicanalítica, como crítico literário, mostrando que Dom Casmurro é escrito sob o signo da dúvida esclarece Rouanet, para quem descobrir se Ezequiel é filho de Escobar seria impossível.

Tematizei a ambigüidade como característica fundamental do livro. Quando faz uma acusação, Machado inocenta Capitu no parágrafo seguinte.

A relação entre Bentinho e Capitu também foi debatida pela psicanalista Maria Rita Kehl. Ela argumenta que O livro Dom Casmurro não é sobre uma mulher. Embora Capitu seja a grande personagem da literatura brasileira, ela é uma mulher vista por um homem.

A personagem feminina é construída pela fantasia de um homem ciumento. Um homem inseguro da sua masculinidade avalia Maria Rita.

Então me parece que, embora isso não esteja escrito e Machado não estivesse tentando fazer teoria psicanalítica, o que é realmente enigmático para o Bentinho é a sua sexualidade. Ele não sabe o que Capitu viu nele, do que ela se enamorou. E, a partir daí, a sexualidade dela passa a ser muito ameaçadora pra ele.

A segunda parte de Capitu, o livro, consiste num texto sobre o processo de criação da minissérie, em que Luiz Fernando Carvalho propõe que o programa televisivo não foi uma simples adaptação de Dom Casmurro, mas um diálogo com a obra original, na qual a história é centrada nesta figura enigmática e cheia de sombras.

Explica também como a ópera paixão de Machado inspirou o clima e o visual da minissérie. Por último, reitera que o texto falado pelos atores é exatamente o mesmo do livro.

Após essa introdução, as imagens da minissérie e o texto do próprio Machado de Assis constroem uma fotonovela, contando visualmente a célebre história de amor e ciúme de Bento e Capitu.