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Diogo Vilela dá vida a Iago, vilão da peça Otelo

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Angélica Paulo, JB Online

RIO - Cínico, dissimulado, manipulador. Estas três características poderiam servir para classificar algum político desonesto ou algum vilão de novela. Mas, neste caso, referem-se a um personagem criado no século XVI, pelo autor William Shakespeare, em um dos maiores clássicos do teatro. Iago, antagonista de Otelo na famosa tragédia criada pelo bardo, é tudo isso e muito mais. Interpretado pelo ator Diogo Vilela, a peça entrou em cartaz na última sexta-feira, no palco do teatro Ginástico, no Centro.

A peça conta a história de Otelo, o mouro, comandante do exército de Veneza durante sua guerra contra os turcos pela posse da Ilha de Chipre, que se apaixona e se casa com a bela Desdêmona, filha de um senador veneziano.

Como antagonista do personagem principal, surge Iago, o invejoso empregado de Otelo, que almeja o cargo de tenente, para o qual é preterido pelo jovem Cássius. A partir deste acontecimento, o alferes traça uma verdadeira teia de intrigas, que acabará com o casamento e a vida de seu patrão.

Diversos fatores positivos contribuem para transformar a peça em um grande espetáculo. O primeiro destaque é a adaptação do texto original, feito por João Gabriel Carneiro e Leonardo Marona. A dupla consegue manter a coerência e os diálogos originais, mas com um pequeno toque de contemporaneidade, que serve para aproximar o público pouco acostumado à densidade dos textos de Shakespeare, de sua obra.

O segundo ponto positivo é a escolha do protagonista: Luciano Quirino, mais conhecido por suas atuações em telenovelas, exibe segurança como Otelo. O personagem, hermético, poderia cair facilmente no melodrama convencional, mas graças à interpretação do ator, cujo potencial dramático é muito bem explorado, mostra-se perfeitamente crível em toda a extensão de seu ciúme.

A boa surpresa da encenação atende pelo nome de Miguel Thiré. Com atuação segura, mostra que, além de belo (elemento necessário para o personagem conseguir dar fundamento a toda mentira urdida por Iago), mostra-se desenvolto até mesmo nas pequenas alterações do texto propostas pela dupla responsável pela adaptação.

Mas nem só de boas atuações vive Otelo . O contraponto a toda profundidade dramática do elenco atende pelo nome de Marcela Rica, intérprete de Desdêmona. No original escrito em 1604, a veneziana é uma doce jovem que se encanta pelo comandante, rompendo com a própria família para viver seu amor. É ela o terceiro vértice do triângulo não-amoroso (Iago-Otelo-Desdêmona) que permeia a história. E é justamente sua atuação destoante o único ponto negativo do espetáculo. Insípida, parece ter saído direto de uma novela de adolescentes para o palco. Apesar de ter decorado bem o texto, não consegue passar a verdade necessária para fazer o público entender os motivos pelos quais Iago consegue convencer o mouro de todas as suas invencionisses.

Mas nem mesmo toda a falta de expressividade de Marcela, que deixa até mesmo o grande final da peça menos impactante do que deveria, consegue apagar todo o brilho da estrela do espetáculo: Diogo Vilela. Seu Iago é tudo o que o é dito no início deste texto, e muito mais. Com seu toque ácido, consegue fazer rir com sua maldade. Intenso, consegue tornar verdadeira toda a inveja que seu personagem sente do próprio patrão. E quase convence o público de que, como faz questão de dizer em determinado momento da peça, suas ações são honestas. Pode ser uma honestidade torta, mas é impossível não admirar sua astúcia ao longo de três horas de espetáculo.

Ao final, fica a sensação de que Diogo fez muito bem em interromper a feliz temporada de Cauby, Cauby , seu espetáculo anterior, e investir no sempre magistral e contemporâneo William Shakespeare.