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Acusações de apologias fascistas dividem opiniões sobre seleção e torcida da Croácia

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A classificação histórica da Croácia para a final do Mundial da Rússia coloriu as ruas do país balcânico com o irreverente quadriculado vermelho de sua seleção, sintoma da euforia de um povo que não chega tão perto de um possível título desde a Copa de 1998, sediada pela mesma França que enfrentará no domingo. Fora dos limites croatas, no entanto, o entusiasmo dá lugar à controvérsia. 

Depois da goleada de 3 a 0 sobre a Argentina na fase dos grupos, em Níjni Novgorod, o atacante Dejan Lovren publicou um vídeo no Instagram onde canta um trecho da música “Bojna Cavoglave”, da banda Thompson, junto do lateral direito Sime Vrsaljko e outros integrantes da seleção no vestiário do estádio. O primeiro verso da canção, “Za dom spreni!”, é uma saudação do regime fascista Ustase, que controlou o país durante boa parte da Segunda Guerra. A composição é considerada um hino da extrema-direita croata.

Em 1941, a Alemanha Nazista invadiu o então Reino da Iugoslávia e estabeleceu um regime fascista submisso a Berlim, no atual território da Croácia, liderado por Ante Pavelic. Durante esse período, cerca de 330 mil sérvios foram vítimas de limpeza étnica e judeus e ciganos foram praticamente exterminados. O lema do movimento fascista era o mesmo que inicia a música entoada por Lovren e Vrsalijko. Em 1945, com a derrota, os comunistas eslavos reunificaram a Iugoslávia sob o comando de Josef Tito, um croata. 

Em 1991, com o fim da União Soviética e os processos de independência no Leste Europeu, os povos iugoslavos também impulsionaram um processo de desmembramento que levou a guerras sangrentas e alimentadas por divisões históricas: enquanto a maior parte dos sérvios são cristãos ortodoxos, os croatas são católicos e os bósnios, muçulmanos. 

A maior parte da seleção da Croácia viveu os efeitos do conflito na infância. Luka Modric, por exemplo, teve o avô executado por paramilitares sérvios e Lovren fugiu com a família para a Alemanha. É também nesse contexto que “Bojna Cavoglave” se tornou um hino nacionalista croata. Por isso, há quem considere a comemoração de Lovren e Vrsaljko uma manifestação patriótica, enquanto outros creem em um viés fascista. 

Segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio), Kai Michael Kenkel, o nacionalismo croata não se desvincilhou das raízes do Ustase. “A Croácia que foi fundada em 1991 não se afastou o suficiente do Estado protofascista que existiu entre 1941 e 1945. Eles, por exemplo, usaram a mesma moeda e repetiram símbolos em vez de criar novos”, lembra o professor. 

Em 2015, em uma partida contra a Itália nas eliminatórias da Eurocopa, a Croácia jogou com os portões fechados como punição por canções racistas entoadas pela torcida, um problema recorrente no país. Os espectadores do jogo foram surpreendidos, pela transmissão televisiva, com uma suástica desenhada no gramado. À época, a federação croata atribuiu o episódio a uma suposta sabotagem. Em 2013, Josip Simunic, zagueiro da seleção da Croácia, foi banido por dez partidas depois de gritar a saudação fascista “Za dom spreni!” para a torcida, o que o tirou daCopa do Mundo de 2014. Isso não impediu a seleção de contratá-lo como assistente do então técnico Ante Cacic, em 2015. 

Para Kenkel, mesmo diante das polêmicas, os croatas não se esforçaram para superar a imagem do fascismo. “Tanto a federação de futebol quanto o governo, além das federação de torcedores, foram e são omissos em se afastar e quebrar as relações com esse imaginário fascista”. Segundo o jornal inglês “Daily Telegraph”, a Fifa secretamente alertou a Federação da Croácia sobre a punição de apologias fascistas nos estádios russos, algo que fugiu do controle da entidade no Mundial de 2014. 

O debate nas redes sociais sobre qual lado torcer na grande final mostra que as convicções políticas exercem forte influência na decisão. Muitos dos que não torceram pelas seleções europeias por conta do histórico colonizador do continente afirmam que vibrarão pela França por conta das controvérsias croatas. “A diferença em relação à Croácia é que, nas seleções da Bélgica e França, países criticados pela colonização, os atletas não fizeram parte desse passado. No caso croata, são os próprios jogadores em campo que ainda são associados a esse imaginário fascista”, conclui o professor Kenkel. 

* Com supervisão de Denis Kuck