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Carta Aberta dos Familiares de Vítimas do Estado aos deputados da ALERJ 

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Os últimos números da Segurança Pública no Rio de Janeiro, dão conta de que houve um aumento da violência próximo do que se viveu no período anterior às Unidades de Polícia Pacificadora.

As mortes violentas aumentaram e segundo o Instituto de Segurança Pública, 95% dos atingidos por balas estão nas favelas.

É contra esse cenário e por reconhecimento de sua luta por justiça , além de cobrarem ao Estado a responsabilidade pela produção de tantas mortes desnecessárias, que mães e familiares de vítimas do Estado, se mobilizaram em dois dias de ato e com apoio de diversas instituições de defesa dos direitos humanos, lançaram uma carta à sociedade, que reproduzo na coluna de hoje.

Carta Aberta dos Familiares de Vítimas do Estado aos deputados da ALERJ 

Nós, mães e familiares de vítimas da violência e da letalidade das forças policiais do Estado do Rio de Janeiro, vimos por meio desta carta solicitar aos deputados estaduais apoio e agilidade na votação de projetos de lei que visam a minimizar a violência policial e garantir os direitos de assistência e reparação aos familiares que tiveram seus filhos assassinados por policiais. Vivemos um momento de exacerbação das práticas violentas pelos agentes do Estado, com operações diárias em comunidades, domicílios invadidos, cidadãos desrespeitados, violentados e mortos diariamente devido à uma política de segurança pública voltada para o controle social da população população negra, pobre e favelada. Por isso, urgimos que medidas sejam tomadas por parte do Poder Legislativo no sentido de agilizar a tramitação e votação de projetos de lei que possam promover melhorias na investigação dos casos, a reparação aos familiares e o acompanhamento psicossocial das famílias vitimadas pelas violações de direitos humanos cometidas pelo Estado.

Desde 2007, as polícias do Estado do Rio mataram mais de 8 mil pessoas em intervenções policiais, nos chamados "Autos de Resistência", casos em que os policiais alegam ter atirado em suposta legítima defesa. Desde 2014, o número de mortos pelas polícias voltou a subir, chegando a 920 pessoas no ano passado. Nos três primeiros meses deste ano, foram mais de 300 pessoas, o equivalente a 3 mortos por dia pelas forças do Estado – o mais alto índice histórico, atingido somente no ano de 2007. Pesquisas apontam que apenas 2% desses casos chegam a ser denunciados à Justiça, devido à falta de investigação por parte da Polícia Civil. A maioria dos inquéritos procrastinam durante anos, sem haver perícias de local, confrontos balísticos nem reconstituições. As armas dos policiais sequer são apreendidas de fato em sede policial, ficando os policiais envolvidos responsáveis por levá-las ao ICCE, o que demora muito a acontecer. As testemunhas que figuram nos inquéritos são os próprios policiais militares envolvidos nas ocorrências, os quais, por sua vez, continuam trabalhando livremente nas ruas, mesmo nos poucos casos em que há denúncia pelo Ministério Público. 

Ao nos tornarmos vítimas do Estado, nós, mães e familiares, não contamos com o apoio do Estado, que nos deve assistência psicossocial, reparação financeira e o acompanhamento das investigações dos casos. Se o Estado falhou ao nos violentar, tem falhado diariamente ao negar nossos direitos, quais sejam, o direito a uma investigação independente, o direito à reparação econômica, o direito à assistência psíquica e médica, e o direito à memória de nossos filhos. É preciso que Estado seja responsabilizado por essas mortes e que isso se traduza numa política pública de reparação e acompanhamento dos familiares vitimados. E para que isso aconteça, é necessário que os deputados da Assembleia Legislativa do Rio façam a sua parte e dêem prioridade na pauta para projetos de lei voltados para as vítimas do Estado.Passamos a enumerar algumas iniciativas legislativas que consideramos de extrema urgência para reduzir a violência policial e garantir melhorias nas investigações e assistência aos familiares: 

• Aprovação do Projeto de Lei 182/2015, que determina afastamento imediato de policiais que já respondam a processos na justiça e dispõe sobre os procedimentos que devem ser adotados pela Autoridade Policial nas ocorrências de Autos de Resistência; • Aprovação do Relatório Final da CPI dos Autos de Resistência, que aguarda inclusão na pauta para votação desde julho de 2016; 

• Criação de um Fundo Estadual de Reparação Econômica, psíquica e social aos familiares por parte do Estado, inspirado na proposta de criação de um Fundo Nacional de Assistência às Vítimas de Crimes Violentos, conforme o Projeto de Lei 3503/04, que tramita na Câmara Federal. Com o intuito de dar início imediato às discussões sobre o Fundo Estadual, solicita-se a instalação de um Grupo de Trabalho, vinculado à presidência da Casa e composto prioritariamente por mães e familiares de vítimas, bem como movimentos de favelas e de juventudes negras, com um prazo de 40 dias para a redação inicial da proposta; 

• Aprovação do Projeto de Lei 1789/2016, que visa à criação da Semana Estadual de Luta das Mães e familiares Vítimas da Violência do Estado no mês de maio; 

• Aprovação do Projeto de Lei 2011/2015 que dispõe sobre o funcionamento das perícias criminalísticas e médico-legal, visando maior autonomia das mesmas; 

• Retorno da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. 

Contamos com o apoio dos senhores para que a nossa luta possa ressoar efetivamente nas comissões e no plenário desta Casa, de modo que o Legislativo cumpra o seu papel e contribua para mudanças positivas nas políticas públicas de segurança e assistência voltadas para o povo negro, pobre e favelado. Aguardamos um retorno o mais breve possível para que possamos prosseguir este importante diálogo em prol dos familiares de vítimas da violência do Estado. 

Cordialmente,  

Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência

Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro

Mães de Manguinhos

Fórum Social de Manguinhos

Fórum Grita Baixada

Centro dos Direitos Humanos de Nova Iguaçu

Mães e Familiares Vítimas da Chacina da Baixada

Movimento Candelária Nunca Mais

Mães de Maio

*Colunista, Consultora na Ong Asplande e Membro da Rede de Instituições do Borel