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O Haiti e a comoção seletiva 

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A força da natureza voltou a implantar a sua fúria contra o Haiti. O furacão Matthew derrubou ‘os castelos’ de madeira e plástico em que sobrevivia o haitiano. Depois do terremoto com o resultado mais letal da história de acidentes naturais em 2010, vimos agora, o pouco construído, sendo devastado e destruído pelo furacão.

São quase 1000 mortos contabilizados, são famílias que voltam a viver sem nada, pois suas ‘casas’, as tendas que nações unidas tinham colocado após 2010, foram despedaçadas e quebradas. A Eletricidade, um emaranhado de fios que todos se conectam comprometendo a vida de todos. O Abastecimento de água está escasso, não existe mais o serviço de limpeza urbana, a ausência de uma segurança pública leva o povo a barbárie. As autoridades locais apontam que mais de 300 mil pessoas necessitam de recursos básicos e atendimento médico.

Algumas perguntas ficam no ar, e precisam de uma reflexão para minimamente serem respondidas: Onde está aquela comoção publica pela tragédia no Haiti? Por que será que o Haiti está sendo punido? Por que a ajuda humanitária que chega não é o suficiente para reconfigurar a realidade daquele povo?

Fazendo memória dos infelizes ataques terroristas na França, me recordo da comoção mundial pelos franceses que brutalmente foram assassinados. Porém, se contabilizarmos o total dos mortos nos anos de 2015 e 2016, veremos que não chegam a 20% comparado a tragédia no Haiti e não chega a um terço da visibilidade, repercussão, e mobilização social diante da tragédia já anunciada.

As campanhas midiáticas e cibernéticas, como o uso das hashtags #prayforparis, foi a mais citada no mundo inteiro no dia do atentado na cidade de Nice, porém a hashtag #prayforhaiti não chegou nem nos trending topics do Twitter.

Comparar o valor das vidas dos franceses com a vida dos haitianos seria um atentado a defesa dos direitos humanos universais. Mas, é nítido que as nossas vidas negras não são visibilizadas ao ponto de que o mundo se comova diante de tal situação. As vidas negras mortas e abandonadas no Haiti não são importantes? Ou devemos nos perguntar o quanto que elas valem?

Vão ser necessárias um numero maior de mortes para que a tragédia do Haiti ganhe as mídias internacionais? Quando que essa tragédia vai ganhar a comoção do mundo como aconteceu nas coberturas dos atentados terroristas de Nice, Paris ou os de Nova York?

Acredito que a punição do Haiti é fruto da representatividade do seu povo e de sua história. O Haiti é punido por sua revolução negra que serviu de referência para a luta pela abolição da escravidão no mundo. O Haiti resistiu ao racismo e mostrou o poder do povo preto. Quem destrói paulatinamente o Haiti não é o terremoto, não é o furacão, é o racismo. Ele se retrata na falta de comoção publica para com o povo preto do Haiti.

*  Walmyr Júnior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor, membro do MNU e do Coletivo Enegrecer. Atua como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.