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Favela é senzala, bomba relógio preste a estourar

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A crise institucional vivida em nosso país vem afetando diretamente a vida do povo mais pobre e mais excluído. A população, que já vive à margem da sociedade, está pagando a conta de uma dívida que não é sua. 

O desemprego aumentou, a cesta básica ficou mais cara, a luz subiu, os hospitais estão inflados e não dão conta de atender a população. Para piorar a situação, a Universidade Estadual, que tem um número significativo de favelados em suas listas de chamadas, está em greve por conta da crise. 

O clima de instabilidade é muito grande. Não sabemos onde vamos parar e nem qual serão os rumos tomados em nosso país. O Presidente da Câmara dos Deputados tenta a todo instante dar um golpe na democracia, como fez com a aprovação da PEC da Redução da Maioridade Penal e com as barganhas que faz com relação ao impeachment da Presidenta, sendo que o mesmo está sujo até o último fio de cabelo em supostas mentiras investigadas pela Operação Lava Jato da Polícia Federal. Ao mesmo tempo, a credibilidade do Executivo não é nada positiva. 

É salutar ressaltar que esta crise que vivemos tem nome. Ela se chama Capitalismo. Esse modelo econômico baseado na legitimidade dos bens privados e na liberdade de comércio tem com o principal objetivo adquirir lucro. Nosso país, adaptado a esse modelo, não consegue lucrar mais, porém quem mais sofre é quem nunca teve bem privado e nunca lucrou na vida.

Alguns trechos da canção ‘Boa Esperança’, do rapper Emicida, nos chama atenção para analisarmos as possíveis consequências que a sociedade pode sofrer com a legitimação e parcialidade diante desse cenário. 

"Silêncio e cara no chão, conhece? / Perseguição se esquece? / Tanta agressão enlouquece / Vence o Datena, com luto e audiência / Cura baixa escolaridade com auto de resistência / Pois na era cyber, ceis vai ler / Os livro que roubou nosso passado igual Alzheimer, e vai ver / Que eu faço igual Burkina Faso / Nóiz quer ser dono do circo / Cansamos da vida de palhaço / É tipo moisés e os hebreus, pés no breu / Onde o inimigo é quem decide quando ofendeu".

O clipe desta canção faz uma narrativa de revolta da classe trabalhadora. As empregadas doméstica, cansadas de sofrerem racismo e preconceitos, dão um golpe nos seus patrões. Cospem na comida que servem, acorrentam todos eles e tocam fogo na mansão que trabalhavam. 

Por que o rapper traz à tona uma possível revolta da classe trabalhadora no clipe de sua música?

Prefiro tentar pensar o porquê que ainda não demos um golpe nos patrões? Enquanto desempregados estão desesperados, os ladrões que roubam o Brasil levam uma vida boa e com muita fartura. Cada dia surgem novas denúncias sobre corrupção, na Lava Jato, na Zelotes e em tantas outras operações, porém a casa dos ladrões engravatados continua luxuosa, com muitos carros nas garagens, aviões particulares, etc. 

O povo está cansado de ter que pagar a conta que não é sua, o pobre vê seus pares sendo presos e exterminados. A assistência precária que as instancias governamentais fornecem, não é o suficiente para que se chegue ao básico. 

A resistência é o sinônimo da luta travada na favela. Não sei medir o tempo que vai levar, mas em um futuro muito breve essa realidade vai mudar. Já dizia o poeta Emicida na mesma música citada acima:

“Por mais que você corra irmão/ Pra sua guerra vão nem se lixar /

Esse é o xis da questão / Já viu eles chorar pela cor do orixá?/ E os camburão o que são? / Negreiros a retraficar / Favela ainda é senzala jão / 

Bomba relógio prestes a estourar”

* Walmyr Júnior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor e representante do Coletivo Enegrecer como Conselaheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JML.