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Uma luta inglória por um pouco de água

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Setembro chega e com ele a esperança de que veremos dias melhores. Gosto de escrever sobre os meses que se iniciam e, de certa forma, nos trazem aquela sensação de que algo melhor sempre está às portas e nos brinda com um florescer de utopias.

Neste primeiro dia curto a saudade da minha vó/mãe que se foi há 16 anos, me deixando como legado a força e a mão boa pra fazer um bom vatapá. Mas recordo também que quase toda a minha infância foi em meio aos percalços causados pela ausência da água nossa de cada dia, um luxo só, tê-la assim maravilhosa e frequente todos os dias do ano.

Hoje, algumas áreas do Borel já contam com quase 20 dias sem receber abastecimento de água. Me pergunto o que não mudou. Não podemos culpar somente os problemas técnicos, imponderáveis, ausência de chuvas, volume morto, El niño...

O que não mudou foi a forma e o jeito de cuidar desta parcela da cidade. O que não mudou foi a divisão social da água (sei muito bem que em se tratando da Baixada, a coisa é ainda pior) .Triste ver que em tempos de Facebook, Whatsapp e Twitter, a indignidade é a mesma, mas com uma importante diferença. Os moradores de muitas favelas do Rio de Janeiro, na ausência da regularidade de abastecimento, tinham as bicas, as minas, e nós aqui no Borel, tínhamos o rio Maracanã, onde as mulheres lavavam suas enormes trouxas de roupas (minha mãe/vó era uma delas), e nós, as crianças, nos esbaldávamos nadando e "caçando" girinos.

Hoje, longe das alternativas e das cenas dignas de romance de Jorge Amado, seguimos torcendo por um pouco mais de respeito e dignidade. Moradoras e moradores passam noites em claro, puxando grandes mangueiras que captam água de uma única bica remanescente, que ainda assim, não funciona todos os dias.

Uma luta inglória por um pouco de água. É, minha mãe sempre dizia que o mundo só é ruim para quem não pode ou quem não sabe esperar, não o esperar apático, mas o esperar da ação e da esperança.

Só isso nos faz acreditar que certamente ainda veremos dias melhores. Que venha Setembro!



"A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos deResistência, à GENTRIFICAÇÃO, à REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL,ao VOTO OBRIGATÓRIO, ao MACHISMO, À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER e à REMOÇÃO!"


*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do GrupoArteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)