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Blackface no 'Pânico na TV': racismo, intolerância  e xenofobia

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A prática do “blackface” no Brasil deixa um rastro de vergonha. Nascido no berço do racismo cultural dos Estados Unido, a prática de se passar por negro para ser engraçado surgiu no meio de atores brancos que pintavam seus rostos com carvão ou carbono para representar, de forma estereotipada e pejorativa, um personagem negro. 

A ideia surgiu no início do século 20 e tinha duas funções sistemáticas: ridicularizar o homem e a mulher negra e não dar espaço para que atores negros ganhassem notoriedade nas telas do cinema "holiudiano".  As práticas recorrentes dos “blackface” catalisaram o racismo por suas piadinhas de péssimo gosto que satirizam a tradição, história e religião do povo negro Africano.

Agora no século XXI é a vez da TV e teatro brasileiros reproduzir a mesma forma reprovável e xenofóbica o que os americanos usaram no inicio do século XX. Apesar do Movimento Negro historicamente contestar essa reprodução, me parece que a manutenção do racismo é mais interessante para a elite branca e dominante.

Quem não se lembra do ator do programa Zorra Total, da Rede Globo, que por muito tempo exibiu um quadro onde um homem se fantasiava de mulher negra, pintando a pele, utilizando cabelos crespos e intensificando o deboche com dentes podres, fala “errada” e roupas esfarrapadas? E a peça da companhia de teatro Os Fofos Encenam, que faria apresentações no espaço Itaú Cultural que foi bombardeada pelo Movimento Negro por fazer também uso da prática do “blackface”?

Então saíram esses atores e chegou a vez do programa Pânico na Band da Rede Bandeirantes. Eduardo Sterblitch interpreta o personagem Africano, com o corpo pintado de preto, ridicularizando rituais de matriz africana, falando em uma língua incompreensível, fazendo chacota de toda ancestralidade e riqueza cultural dos povos africanos em rede nacional, com uma plateia que se diverte com o racismo e que aplaude a xenofobia. 

Já não basta o povo negro ser violentado, escravizado e abandonado? Ainda temos que ser ridicularizado em rede nacional? Nosso povo sofre diariamente com a intolerância religiosa, com o racismo na hora de conseguir um emprego, com a violência que criminaliza constantemente a nossa juventude preta, com a falta de acesso a educação superior, e com um genocídio em curso que quer exterminar o povo negro da terra. 

O Brasil vai mostrando de novo o seu racismo que se escondia em um discurso fajuto de um ‘povo brasileiro, sem raça e sem cor’. Um ator representar um negro africano como um selvagem, um ator que ridiculariza as religiões de matriz africana e ainda faz danças e gestos que remetem a um macaco é um artista deplorável que só se importa em ganhar dinheiro desumanizando o povo negro. É um artista que sustenta um discurso nazista que determina que raças não negras são sempre superiores à raça negra.  

O racismo estruturante, como já disse, impacta em todas as dimensões da vida, desde a procura do trabalho a hora de dar luz. Ligada a um processo de dominação e opressão promove impactos negativos e profundos na contramão da tentativa de dar garantia de direitos ao povo negro, pobre e favelado.

* Walmyr Júnior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor e representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.