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Um DCE na contramão do Movimento Estudantil

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Durante minha graduação em História, dediquei 99% do meu tempo ao Movimento Estudantil na PUC-Rio. Minha relação com esta universidade é tão marcante que faço questão de trazer à tona os retrocessos apresentados pela atual gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE ) Raul Amaro. Filhos da classe média, com discursos empreendedoristas e neoliberais, a atual gestão do DCE ignora os anseios das minorias na universidade.

Durante o mês de março, fomos testemunhas do machismo covarde que obrigou as meninas do Coletivo de Mulheres da PUC a limpar o chão da casa do diretório. Em eventos do Dia Internacional da Mulher, as estudantes do coletivo pintaram uma faixa em frente ao DCE e por descuido sujaram o chão de tinta. Os membros da atual gestão impuseram, através de terror psicológico, a limpeza imediata do chão, ameaçando as estudantes de expulsão da universidade. 

No mês de abril, fomos todos surpreendidos ao vermos uma palestra puxada pelo DCE com a temática da desmilitarização da Polícia Militar. Mas o que nos deixou muito preocupados foi a presença do deputado Flávio Bolsonaro. Este parlamentar reproduziu o discurso mais sujo da política e saiu da PUC-Rio com muita vaia e gritos da plateia, acusando-o de fascista. 

No mês de maio, o coletivo Nuvem Negra realizou o seminário “13 de Maio não é dia de Negro”, descomemorando a aplicação da Lei Áurea. O DCE, mais uma vez com sua prepotência, organizou um importante seminário de “mobilidade e portadores de deficiências” na mesma data que o seminário do único coletivo negro da universidade. 

Agora o DCE da PUC-Rio faz de tudo para impedir os alunos e alunas a participarem do processo da UNE. A UNE, União Nacional dos Estudantes, é uma entidade cujo seus representantes são escolhidos em um processo eleitoral nacional. Os estudantes da PUC têm direito a 15 votos, por ter 15 mil alunos e alunas. É uma das maiores universidades particulares do Rio de Janeiro e, se dependesse do DCE, os alunos e alunas da PUC sequer poderiam participar do processo eleitoral.

É aceitável que o DCE não queria disputar a UNE e não queira pautar o movimento estudantil, como fizeram recentemente ao publicar uma carta descrevendo que não iria disputar os rumos da maior organização estudantil da América Latina. Afinal, é a uma opção não sair dos muros da universidade e não pensar a sociedade civil como um todo. Diria que uma péssima opção, mas não cabe a mim essa decisão.

O DCE da PUC, pela primeira vez em anos, decidiu não ajudar financeiramente os alunos para que eles se façam presentes no congresso.

Além de não organizar o processo eleitoral, mesmo não participando do mesmo, o DCE nega mais uma vez que os alunos se organizem e disputem uma eleição de nível nacional, com mais de 10 mil delegados e delegadas eleitos legitimamente por estudantes de todas as universidades do Brasil.

Os delegados e delegadas da PUC foram eleitos e legitimados por alunos e alunas da universidade para representar a PUC. E o DCE ignora essas assinaturas e, consequentemente, boa parte do corpo discente que deseja ir para Goiás junto às demais universidades do país, lutar pelos rumos da união nacional dos estudantes.

A PUC-Rio foi palco das clandestinas reuniões da UNE durante a Ditadura Militar. Estudantes desta casa já foram presidentes, vice-presidentes e diretores desta entidade. Vejo como um retrocesso a política implementada por essa gestão. 

Hoje, infelizmente, o único interesse representado por essa gestão do DCE é eleitoral, elegendo um dos seus nas eleições municipais no ano que vem. Afinal, são jovens estudantes que têm referência política no PP, partido dos Bolsonaros, ao PMDB da família Cabral, ao PSDB de Luiz Paulo e Otávio Leite, ao DEM da família Maia e dos síndicos da zona sul. 

A PUC-Rio destina R$ 7.500,00 mensais para a gestão do DCE. A gestão que compra mais de R$ 4.000,00 em utensílios para sua luxuosa casa se recusa a ajudar financeiramente estudantes da universidade a irem para o congresso da UNE. 

Enfim, me pergunto: onde fica o Movimento estudantil da PUC-Rio? Talvez comendo hambúrgueres com 40% de desconto, ou pizza grátis na vila dos diretórios, já que o preço do bandejão aumentou e a política de assistência estudantil já não mais alcança todos os bolsistas da universidade. Nestas horas vejo a memória do militante histórico Raul Amaro ser destratada pela velha política que dita as suas práticas coronelistas na PUC-Rio. 

Para quem não sabe, Raul Amaro Nim Ferreira tinha 27 anos, formara-se em Engenharia Mecânica pela PUC-Rio, estava noivo e acabava de ganhar uma bolsa de estudos para a Holanda. Detido durante uma batida policial, "foi considerado suspeito por ter em seu carro esboços de dois mapas, um deles do caminho para o apartamento que alugara em Santa Teresa, onde a polícia encontrou mimeógrafos e material de propaganda de um grupo político, guardados ali a pedido de um amigo.

No dia 12 de agosto o corpo de Raul, com evidentes marcas de tortura, foi entregue à família”. A fonte desta descrição sobre Raul Amaro foi publicada pelo Núcleo de Memórias da PUC-Rio https://nucleodememoria.vrac.puc-rio.br/site/index.htm.

Para escrever esse texto conto com a narrativa do estudante de Relações Internacionais, Lucas Stelling, postada em suas redes sociais.

* Walmyr Júnior é professor. Representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude - CONJUVE. Integra Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.