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A morte de um menino, a barbárie e a síndrome de Pilatos da sociedade

Colunista do 'JB'  que mora no Borel comenta violência no Complexo do Alemão 

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Esta semana mais uma vez foi marcada pela dor. Muitas dores, a maior de todas, as mães perderem seus filhos para a insanidade e a violência seletiva de outros homens. Não podemos de maneira alguma mensurar a dor das famílias que, no período de  24 horas, tiveram suas vidas marcadas de forma trágica para sempre.

Mal digerimos os dez anos da chacina da Baixada, e fomos assaltados pelas notícias das mortes em favelas do Complexo do Alemão. Em um momento em que se pede a redução da maioridade penal, uma criança, um  menino de 10 anos, Eduardo de Jesus Ferreira, é brutalmente assassinado por estar com algo na mão, brincando em um beco. Como diz o MC Raphael Calazans, “o beco é a esquina do asfalto”, ou seja , é nele o ponto de encontro, da paquera, a passagem, isso é favela, o beco é a área de lazer da favela, sempre foi.

Dava pra ver que se tratava de um menino bem franzino. Mais uma vítima em nossa tão estranha sociedade, que se consterna com maus tratos aos animais, mas não demonstra nenhuma compaixão com crianças pobres e negras, que têm nos becos e vielas das favelas o seu playground.

É preciso com urgência rever as práticas cotidianas do contingente policial nas favelas, onde atuam e lembrando, pagos também com o suor dos trabalhadores do Alemão. Sem dúvida estamos vendo a cada dia que é preciso que haja mudanças contundentes ou teremos um horizonte nebuloso. Não há sequer o direito constitucional à livre manifestação, isso demonstrado na atuação das forças policiais na manifestação pacífica da Sexta-feira Santa e na denúncia de que moradores estavam sendo supostamente  impedidos de descerem para se juntar aos outros moradores presentes ao ato de sábado.

Não podemos crer que haja de verdade um desejo de promover uma melhor qualidade de vida aos moradores das favelas ocupadas por policiais, em unidades específicas, quando em uma manifestação pacífica de pesar e de dor, há provocação e atitudes violentas por parte da representação armada do Estado.

Os cidadãos do Complexo do Alemão também pagam impostos, também trabalham e também contribuem para a vida política da cidade e do estado. No tratamento dispensado aos moradores e moradoras do Alemão, principalmente, é entender que se trata de um medieval jogo de punição, suplício e espetáculo, assistido e aplaudido por grande parte da sociedade. 

Um espetáculo que custa caro aos cofres públicos e que se propõe a mudar a usual e histórica prática do estado, de uma economia política de morte, por uma contenção no escoamento de vidas tão jovens e tão preciosas. Sim, porque toda vida é preciosa, mesmo que quem a detenha não tenha consciência disso.

Que possamos buscar o renascimento de nossa esperança, já que estamos em clima de Páscoa. Que passemos da barbárie seletiva e consentida, de uma sociedade com síndrome de Pilatos, que se omite ante a injustiça, que como disse um importante sacerdote, tem mais de Herodes do que de Jesus, a uma sociedade mais justa e humana.

Herodes ordenou a morte das crianças e Jesus pediu que elas não fossem impedidas de se achegarem a ele. E assim começamos abril, torcendo por uma semana bem melhor e para que vivamos dias melhores. 

"A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!"

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)