ASSINE
search button

A força da produção cultural, social e intelectual das favelas do Brasil

Compartilhar

Estive ontem compondo duas mesas em dois seminários diferentes: um na Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FBEF), organizado pelos alunos da pós-graduação, e outro na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), organizado pela coordenação do programa caminho MelhorJovem, realizado pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. O primeiro foi sobre os movimentos contemporâneos e, o segundo, sobre o Programa Caminho Melhor Jovem. A convergência entre ambos se deu na discussão sobre a disputa das narrativas ou narrativas em disputa.

Tive prazer em reencontrar novos e antigos amigo(as). Entre eles(as), não posso deixar de citar a brilhante antropóloga Regina Novaes, professora da UFRJ e ex-secretária Nacional de Juventude e referência em questões relativas á juventude.

Quem fala pela margem, periferia ou outra categorização que marque a localização dos pobres, negros e não brancos neste país? Quem está autorizado a falar por eles? 

Nada melhor do que ter estas vozes falando e situando e reafirmando o seu papel nesta sociedade.

O que pode contribuir um jovem do Complexo do Alemão? Uma estudante da Baixada Fluminense? Acadêmicos que vêm das favelas, das periferias, militantes e demais atores destas áreas? Qual é a força da cultura, dos empreendimentos e ações que emergem dos subterrâneos urbanos deste país?

Podem contribuir muito e tem contribuído, de fato, na construção do que eu chamo de um novo ethos marginal, da margem. Suas narrativas, contadas por eles mesmos(as), ressignificadas, marcadas por uma reapropriação das identidades roubadas com a longevidade e a ferocidade da escravidão e seus efeitos que reverberam até nossos dias neste país.

Nesta disputa de narrativas, na academia, nas tribunas, nos noticiários, nos programas de televisão, percebe-se cada vez mais a pressão do gueto, fazendo chegar mais do que um cotidiano estereotipado pela violência ou pela vulgaridade, a qualidade do que se está produzindo cultural, social e intelectualmente nas favelas e periferias do Brasil.

Os documentários exibidos nos dois seminários mostram a juventude brasileira dizendo que não quer mais uma vida escassa e de coadjuvante, e vão à luta com o que tem não mão, e é o de melhor a força e o vigor, na busca do protagonismo. "Um dia em Outubro" mostra a efervescência de uma manifestação nas ruas do Rio de Janeiro. Já em "Uma árvore bonita", o relato de quatro jovens baianos no enfrentamento do cotidiano é de arrepiar. Mais ainda: o desfecho de cada trajetória é pura emoção.

Mais um programa de governo, este intitulado "Caminho Melhor Jovem", se propõe a construir junto com os jovens da favela um caminho melhor, seja qual for o caminho que eles queiram caminhar, pois como diz há muito tempo nossa linda Dona Ivone Lara, "se o caminho é meu, deixa eu caminhar", mas me dê ferramentas para tal, porque depois de tanta desapropriação, inclusive da própria vida, está na hora dessa galera ganhar um pouco, porque afinal de contas, o que os jovens das periferias e favelas  sabem de "cor e salteado" é fazer caminhos.

Que não sejam só os programas de governo, mas que se efetivem de fato as políticas públicas para a juventude, porque por força de lei se efetivou a exclusão (escravidão, lei de terras) e de hábitos (dificuldade ao acesso de áreas importantes como postos de comando e ensino de qualidade e público), atingindo em cheio a juventude que é considerada perdida e, por isso, tem status de descartável.

Como dizem os Racionais MC"s Histórias registros, escritos. Não é conto, nem fábula, lenda ou mito." É a nossa vida real escrita todos os dias a duras penas entre esgotos a céu aberto e armas (legais ou ilegais).

"A nossa luta é por direitos, juventude negra, pobre, favelada, periférica e marginal tem que viver"

* Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela UERJ.