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A explosão e os norte-americanos

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Eles não são tão pragmáticos, nem tão cerebrais. Não possuem o triunfalismo, nem são tão hostis quanto aparecem nos relatos estereotipais da mídia mundial. Os norte-americanos, assim como todos nós, têm os mesmos medos, as mesmas insuficiências e as mesmas capacidades dos outros. O que os diferencia, e isso não é pouco ou desprezível, é a confiança que depositam nas instituições. Elas podem passar por presidentes corruptos, ineptos, fanfarrões ou bananas, isso não os abala, pois aqui o executivo tem uma real contrapartida no legislativo e no judiciário. Não só que levam bem a sério a divisão dos poderes como a lei que os regula é estável e garantida por uma constituição enxuta e exequível. Que não se aclame isso como virtude ou defeito, mas característica, perfil, visão de mundo.

Inimigos internos ou de fora, tanto faz, a depressão residual é a mesma. Ficam todos paralisados esperando que alguém assuma o atentado. A vida segue, mas não como antes. A percepção da vulnerabilidade coletiva tem de fato um peso desproporcional. Assumindo ou não sabemos que parte do mundo obscurantista – me pergunto se é minoria -- bate na palma da mão para dizer “bem feito”. Sabemos que tem gente que comemora que crianças percam a vida e adultos sejam mortos ou mutilados. São os mesmos que no escuro, em segredo, torcem pelo pior. Que enxergam equivalência entre matar deliberadamente e os erros e absurdos que as guerras apresentam. A rigor, toda guerra seria um erro se não existissem as que nos libertam dos opressores.

 Não cabe analisar personalidades, cabe reagir a elas. Os que torcem pela destruição dos americanos não os compreenderam adequadamente. Não porque não tenham – como todos os estados que lutaram para se constituir como nações – manchas colossais em sua lista de desserviços prestados a outros Estados, mas porque ignoram sua fibra e preferem ignorar sua a capacidade de resistência.

Depois de 11 de setembro, não só a nação não veio abaixo, como façanhas significativas foram registradas nas áreas de solidariedade, controle da criminalidade e atendimento social. Especialmente em Nova York. Não foram poucos os relatos de diminuição dos conflitos étnicos e raciais. Veio a crise de 2008, que, aos poucos, superam e vão enxergando de novo um horizonte menos tenebroso. A desburocratização nos negócios e a facilidade com que  empresas e pessoas encontram para desenvolver suas ideias nunca foi vista como ganância da burguesia -- como a anacrônica esquerda latino-americana costuma decretar para quem quer se desenvolver materialmente.

Há nestas diversidades significativas (nisso são parecidos com os brasileiros) a vantagem, quase uma imposição, de respeito às diferenças. Por bem ou por mal. É necessário conviver com a pluralidade e esse exercício – nem sempre aceito por facções e gente que quer que suas regras sejam as únicas vigentes, de preferência goela abaixo dos demais – determina a sanidade e atualização da democracia. 

Os eventos de Boston só mostram como estamos distantes de qualquer encerramento de ciclo. A institucionalização do terror é apenas mais um lance arriscado nas guerras diárias que temos que contabilizar todos os dias. Só significativa que mudança no comportamento dos povos poderá mudar o que nos espera logo adiante. Não que Pyongyang não represente um risco para a humanidade inteira, mas a humanidade inteira tem se submetido a ditadores explícitos e democracias cosméticas. Ambos têm em comum não declararem abertamente suas agendas.  

A justiça pedida por Obama para os que perpetraram o ato durante a maratona precisa ser mais longa e funda. É apenas um começo do trabalho. As cicatrizes fazem parte do ofício de ser povo, e elas costumam demorar para secar. Talvez seja tarde demais para colocar em prática a única solução em que ninguém precisaria contar seus mortos, mesmo assim isso não significa que seja indigna dos nossos desejos. Pelo contrário, é mais provável que ela resuma a dignidade.

* Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo”(Ed. Record)