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Homenagem aos volumes

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Em nossos dias a velocidade das transformações é muito maior do que a capacidade para assimilá-las. Está criado um paradoxo. Senhor paradoxo. A revolução cibernética e a era digital estabeleceram dilemas perturbadores e sem debates satisfatórios. Ainda que os efeitos das revoluções só possam ser avaliados retrospectivamente, nada justifica o silêncio.

Ninguém faz a menor ideia de onde a cultura on line nos levará. Nem como nos sentiremos nesse novo lugar.  

A sociedade da informação é só festejada – e talvez deva mesmo ser – mas é vital que alguma lucidez prevaleça sobre as sínteses fáceis.

No quesito informação, o excesso tem um efeito similar à escassez. A polissemia também enlouquece. Navegando pela net depara-se com um mar revolto e poluído por resíduos que chega a ser difícil saber o que e quanto se pode aproveitar. Não é só o bombardeio de imagens, a saturação do marketing, quantidade de terabites ou informes disponíveis que somos incapazes de processar. O problema principal é como filtrar e usar o que se colhe de uma rede não retrátil e sempre em expansão.

Seriam necessários pelo menos alguns meses, quiçá anos, para analisar a simples informação da palavra “josé” se a digitarmos para pesquisa na ferramenta do Google: 1.9000.00 que se realiza em exatos 0,29 segundos. 

Se pelo menos fosse só com “josé”. Mas isso se repete indefinidamente, e a cada palavra encontramos novas abrangências e desdobramentos, as quais por sua vez se abrem em janelas infinitas em outras sequencias e aberturas, e assim em diante. A busca robótica têm o estranho poder de se inverter e se replicar à nossa revelia. A ponto de nos perguntar: quem usa quem?  

Em vez de nos libertar, a infinidade abusiva de portas abertas pode funcionar como cadeira cativa para assistir nossa própria paralisia.  

As palavras se transformaram em glossários e léxicos e as derivações transbordaram para muito além dos velhos dicionários e enciclopédias.

De repente, sob o espirito da unificação do saber, a linguagem encolhe ao se esparramar pelo abismo plano do ciberespaço. Região sem nenhuma fronteira ou malha de contenção.

Na pesquisa labiríntica e involuntariamente anárquica -- como acaba sendo o surf digital – mobilizamos cada vez mais filtros para conseguir alguma objetividade. 

Ainda assim, perdemos algo.

Pois diz-se que estamos enfrentando uma crise sem precedentes no mercado editorial e que tudo, ou quase tudo, se deve à gula avassaladora das grandes corporações sobre editoras e livrarias. Segundo outros, as brochuras estão com os dias contados e os assassinos são monitores luminosos que não fungam ou ocupam espaço. Ambas devem ser verdadeiras e ninguém duvida que já mutilou um mercado que aqui nem chegou a se desenvolver plenamente por aqui (quatro livros por ano) especialmente se nos compararmos com o restante dos leitores do mundo.

As informações que os livros trazem, suas especulações, diálogos e fruições são apenas parte do prazer e alegria de ler. Entretanto há deleites de outra natureza, sensoriais: o cheiro do papel, a textura da capa, a descida táctil até o rodapé ou a simples sensação de posse deles.

Claro que podem e devem ser digitalizados, colocados on line, vendidos para leitura em tablets e mercantilizados como chips de bolso, só não vale comparar o prazer real com o virtual. Melhor encarar que muito além do dilema – senão falso, superficial – entre o digital e o tomo em papel, está a ignorância na compreensão do que significa essa poderosa máquina de diálogos que chamamos livro.

Mas se for mesmo verdade e num destes duelos estúpidos alguém tiver que morrer, vale parafrasear José Mindlin e assumir que talvez não valha mesmo a pena viver num mundo sem livros.

*Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de A verdade lançada ao solo