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Elegância mínima   

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Trauma estabelecido e o nome da lesão é fratura sociológica exposta. Segundo o sociólogo Zigmund Bauman o poder encontra-se apartado do governo. Vale dizer, o poder não é mais o bastante para garantir governabilidade. Tem toda a razão.

Talvez seja ainda pior, entramos na era do consumo como único valor permanente. Ao mesmo tempo temos nas mãos uma epidemia de políticos e figuras públicas megalômanas. Além de se atribuir um valor incompatível com a realidade imaginam-se acima das leis e instituições. O bate boca de um ex-presidente foi um destes momentos que representam muito bem este estado de coisas. Não foi só a compostura, esqueceu-se da elegância mínima. O resultado é fazer pouco da sociedade que, a duras penas, luta para se tornar mais orgânica, equânime e viável. Gente assim muito provavelmente não tem a menor ideia do mal-estar que produz nos cidadãos.

Tivéssemos instituições mais sólidas e maduras não estaríamos todos tão abalados nem tão divididos quando dois sujeitos, em franca improbidade verbal, discutem questões gravíssimas com a mesma superficialidade e truculência de uma disputa banal de trânsito ou de um clássico do futebol.

O consolo é que mais cedo ou mais o lulo-petismo e todo histrionismo agonizará assim como agonizaram outras agremiações que se renderam ao culto da personalidade. A história comum da ascensão e queda do autoritarismo personalista é que, em nome da hegemonia e da gula pelo mando, todos acharam que poderiam prescindir da sociedade e do país que representavam. Por outro lado, na história da humanidade, às vezes um único sujeito pode fazer toda a diferença. Para o bem e o mal (que depois da segunda Guerra Mundial provou que é uma entidade real). Para justiçar pseudo-heróis a verdade histórica tarda, mas triunfa. 

Os partidos políticos envelheceram. Isso para evitar mencionar o apodrecimento das instituições políticas partidárias e suas  implicações. Há urgência de uma reformulação maiúscula. Diante da falência iminente não se pode mais temer a radicalização da discussão. Nada a ver com moldes violentos ou da anacrônica luta de classes. A radicalização que a sociedade deve propor é maior, mais ambiciosa e mais elegante.

Para contornar o óbvio e o senso comum, temos que perder a covardia. O conformismo que nos governa silenciosamente todos os dias sem dar conta que fomos possuídos por uma inércia mortal.   

Doravante, salvo milagres, o diagnóstico para a coalização partidária que sustenta o regime é o pior possível. O cripto-autoritarismo, as ondas de corrupção e o neo-fisiologismo  poderiam ser só sintomas de uma jovem democracia buscando se acertar. Neste caso, seria mais que desejável que os ratos benévolos – as pessoas de valor que se encontram esmagadas pela malandragem – pulassem do barco para se ajuntar aos que enquanto deram o fora a tempo de preservar suas biografias. O otimismo relativo é que há tanta gente boa que, se unida, poderia ser fiadora de um novo movimento. 

Entretanto, quando se vê que o navio incha e o adesismo ao poder está inflacionado, passamos a ter obrigação moral com o pessimismo. Estamos num país sem oposição! Bem entendido, oposição lato sensu – não significa necessariamente opor-se sistematicamente aos governos como já fez o PT aprendiz, mas resistir ao interminável saldo de autoritarismo e ineficiência venha de onde vier.

É trágico que não se enxergue no horizonte um único partido com ideias novas, sobretudo límpidas. Dos chavões neo-marxistas aos slogans neo-liberais, passando pelo discurso verde não se vê um único sujeito ou grupo de pessoas capaz de se articular para fazer emergir uma frente “contra todos” que seja emancipada, conseqüente e coerente.

A faxina geral não deveria ser contra a corrupção, muito menos numa CPMI, mas sim dirigida a favor das leis, de julgamento limpo para o mensalão, por exemplo. Há um vício do pensamento nos iludindo com país bombando, crédito fácil e dívidas difíceis. Desde que os monarcas deixaram de ter a primazia da razão e o monopólio do poder, deveríamos ter abandonado o absolutismo salvacionista. Mas por um desses incuráveis pontos cegos que nos adoece, não conseguimos abrir mão de um redentor.

Inadimplentes, estamos todos pagando o preço da dívida de outrem.

 O crediário não é suave, pelo menos as parcelas estão a perder de vista.

 

*Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo” (Ed. Record)