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Sociedade dos paradoxos  

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Um grupo de 23 cientistas britânicos da Royal Society, encabeçado por John Sulston, acaba de elaborar um documento – a ser apresentado  durante a Rio+20 – que vinculará consumo e pobreza. Como dado preliminar hoje há 1,3 bilhão de pessoas em estado de pobreza absoluta. Não bastasse a cifra escandalosa, temos que considerar que estes números são totalmente dependentes do padrão de consumo nos países desenvolvidos. Só o Brasil representará nos próximos anos 5% do consumo global, enquanto o continente africano responderá com 70% do crescimento populacional do planeta. Há alguma resposta para esta situação? Consumir mais, certo? Segundo os cientistas, não necessariamente, depende de quem consome. Fato que evidencia como o senso comum é cego. 

 O consumo excessivo e concentrado produz lixo não administrável, além de poluir em escala não civilizada. O consumo é um ato inconsciente. Aliás, um enigma muito bem explorado pelo marketing contemporâneo. O que os publicitários nos ensinaram nestes anos todos é que precisamos precisar. Porém, há muito mais que um único conflito de interesses quando se trata do binômio desenvolvimento industrial e manutenção da biosfera. Sem atenção planejada e coordenada de uma educação menos informativa e mais crítica, planejamento familiar e radical equalização do consumo, teremos saudades dos tempos em que as conferências ainda podiam prometer resultados. Nas poucas unanimidades nessa área, uma delas é que estas decisões não são para hoje. Ontem já seria tarde.    

Então, lá vamos nós aos chavões: comprar movimenta a economia. O excesso de consumo aumenta as discrepâncias sociais.  Consumir faz com que a sociedade se torne mais produtiva e competitiva. A industrialização selvagem asfixia e desarticula microssistemas artesanais e extrativistas de produção jogando populações inteiras à desvalia e ao desamparo social. O incrível é que é muito provável que todas as afirmações acima sejam verdadeiras ao mesmo tempo. A explicacão de como podemos conviver com tantas contradições é que chegamos à sociedade dos paradoxos.

Dadas as atuais condições desvantajosas do planeta, não há mais como sustentar os padrões que as sociedades industrializadas vêm mantendo desde o pós-guerra. Por outro lado, a crise indica que talvez consumir e induzir consumo sejam a única saída. Um consumo mais igualitário poderá favorecer as sociedades e o mundo. Podemos detestar isso, mas neste ponto da história, em que nos transformamos numa força geológica, estamos em regime forçado de interdependência. É preciso estimular a consciência a trabalhar, já que ela não pega tão facilmente no tranco. Só quando um norueguês perceber que ele aumentará seu risco se não deixar de comprar sua terceira TV de plasma para que um senegalês tenha seu primeiro rádio, o mundo poderá estar ficando menos díspar.

O interesse ativo em manter a população em estado de obscuridade é, infelizmente, a grande força política dominante. Vale dizer, a transparência que se oferece não é a de que necessitamos, já que o jogo democrático deixou de colocar os interesses coletivos como os mais importantes. E a única coisa que pode nos unir neste momento é a responsabilidade com o habitat. A ignorância é o estado de maior vulnerabilidade, como mostram os estudos epidemiológicos. Por isso, a solução pode estar em medidas mais radicais que o gradualismo que professam os debatedores canônicos.

É chegada a hora de virar a mesa, antes que a natureza e os impasses sócio-ambientais nos virem do avesso.