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Os nós das amarras e outra Utopia

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A presidente andou reclamando das “amarras” que prendem o País, e lhe devolvemos: que tal deslindar os nós? Quem dita a política monetária e fiscal? Quem vem construindo déficit público progressivo e ajudando a manter o “balança, mas não cai” dos mercados financeiros? Quem inchou o funcionalismo federal? Quem estimulou a dívida e inadimplência das classes sociais emergentes? A pergunta seguinte pareceria trágica não fosse óbvia: então por que não governam? A resposta não é fácil, é perturbadora: não são eles que governam!  

Sim, há um poder oculto. Mas ele não é fruto do imperialismo. Ele é a força cega da matéria que, em nossa era, tomou proporções absurdas, dominantes e hegemônicas.

O dinheiro pode não ter cor nem cheiro, mas sua movimentação maciça é quase garantia de brisa insalubre. A história da industrialização mais expressiva do Brasil passa pela instalação das grandes multinacionais montadoras de veículos. As fábricas alemãs, com raríssimas exceções, fizeram fortuna com trabalho escravo e extensa pilhagem nazista para depois se espalhar pelo mundo. Soviéticos e europeus colonizaram e se expandiram até onde foi possível e, assim como o Império Romano, somente quando o número de escravos ficou insuficiente para controlar tantos territórios e colônias o poder precisou encolher. 

Os norte-americanos, além de absorver a tecnologia armamentista e nuclear dos nazistas, instrumentalizaram o plano Marshall para alavancar a economia, até ali estagnada pela grande depressão. Isso só para ficar nestes dois séculos. Como se vê a origem do grande capital não tem nada de produção limpa. O Brasil à exceção das máculas na Guerra do Paraguai, tem uma ficha menos poluída que a média. O Pais teria à frente uma histórica e significativa janela de oportunidades, mas a ausência de autocrítica do PT, de uma oposição corajosa e a qualidade dos partidos da pseudo-coalização pode colocar tudo a perder.

Para Thomas Moore, autor de “Utopia”, há uma síntese política: governos se unem às classes dominantes para corroer os direitos de todos. Grande novidade! Mas, há sim uma novidade. Existe uma Utopia, essa possível: recuperar a criatividade e buscar uma vida mais simples. Pode não haver solução duradoura para nada. Decerto nenhuma definitiva. Aqui concordam capitalistas, socialistas, pragmáticos, céticos e crentes. Então o consenso é que no mundo real deve prevalecer a ideia de provisoriedade, de revezamento, de troca de poder. As terras não são feudos de ninguém. A floresta jamais poderia ser pastagem futura ou miragem para reflorestadores. A ideia de sustentabilidade extraviou-se tanto na boca dos ruralistas quanto na dos ecologistas. 

As grandes fortunas deveriam obedecer um teto de acúmulo, depois do qual os donos teriam que redistribuí-las como achassem melhor. Mas tudo que ouvimos do coro monotemático nas arquibancadas é: Estado, Estado, Estado!

Por alguns motivos precisamos aprender a dizer não ao Estado como solução. O principal deles é que sempre que este senhor se arvorou em colocar a mão na riqueza, privada ou pública, o patrimônio geral encolheu. O Estado abocanhador – seja lá de que matiz ideológico for -- é o monstro contemporâneo e a alternativa imediata a ele parece ser o velho regime patriarcal (na verdade um arroubo teenager) dos que ainda querem um administrador policial tutelando a vida das sociedades. Pois parece que estamos conseguindo unificar um pouco o pior dos dois mundos com o sócio-capitalismo selvagem de Estado.  

Somos assim tão pobres em imaginação?

Voltando às amarras de Dilma, não só os impostos que pagamos são descalibrados e desproporcionais como o mecanismo psicológico da manutenção dessas aberrações é o de sempre: o abuso está justificado pela sonegação epidêmica. Que tal um teste? Tornem os impostos menos confiscatórios e coloquem-nos para serem gerenciados e controlados pela própria sociedade?  Vamos inverter a lógica? Doravante nenhuma emenda parlamentar pode mais ser aprovada sem o aval dos setores sociais independentes, incluindo análise mensal da folha de pagamento dos três poderes. Perdão aos bem pensantes, mas a situação é tão grave que o risco dessa provocação demagógica tornou-se muito menos grave que o cinismo institucional generalizado. Quem duvida disso que assista pela TV a construção teatral da nova CPI nas últimas sessões parlamentares.

Até agora movimentos de ocupação das ruas ou marchas de indignação não produziram resultados concretos. Tiveram apenas o mérito de manter acesa a idéia de que estar em pé é premissa para seguir.

O caminho? Diante de tanta inércia e resignação pode não importar tanto quanto a certeza de que estamos nos deslocando.       


*Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo” (Ed. Record)

paulorosenbaum.wordpress.com