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Copa, jogos e diversão contra o culto da vitória

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Todos devidamente ultrajados com a tragédia pela briga de torcidas de futebol deste último domingo? Não será a última. A fórmula é simples: ultrapasse as fronteiras simbólicas da competição e tome concretamente o adversário como inimigo mortal. É que esquecemos completamente da raiz da palavra diversão, do latim divertere, “ir-se embora, afastar-se”.

Tudo pode eclodir no futebol, nas escolas de samba, em agremiações partidárias e até no pacato salão de festas do condomínio. Mas houve um ponto, anterior, que foi dando legitimidade à explosão de ações incivilizadas. E o que tem a ver estilo de vida contemporâneo com a violência – ainda imbatível como primeira causa de morte entre adultos jovens no Brasil – e o combinado pela internet de lutar à morte?

Tudo a ver!

Viramos fanáticos por resultados. 

Desde pequenos, estimulados pela ambição, somos levados a acreditar que a competição é a alma do negócio. Há uma “pedagogia baseada em pódio”, e a instrução é clara: sejam os melhores, primeiros da lista, mais elogiados e cotados; não se esqueça de trazer a melhor nota e, finalmente,... Harvard. Aí, tornem-se presidentes, gerentes gerais, sócios-fundadores, chefes de repartição e políticos de peso. O conselho essencial, este subliminar, “se necessário, mate”. Há uma fila de exemplos demonstrando que a sociedade pós-moderna não conseguiu superar o estigma da educação como instrumento discricionário.

Para compor o arsenal discriminatório contamos com bullyings de Estado, acossamentos dos estranhos, e perseguições aos fracos. Talvez disso decorra alguma empatia pelo perdedor, como se ele mesmo não tivesse tentado, em algum momento, erguer o troféu. A máquina social pressiona, e mergulhamos de cabeça na ideologia da sociedade industrial. Achamos, enfim, o novo ícone pagão: o culto da vitória.

Não que se possa duvidar da meritocracia como critério justo, mas o questionamento vai por outra via: qual exatamente é o mérito da vitória? A própria democracia se baseia num jogo onde o vencedor é quem convence a maioria. Mas a que preço esse triunfo? Na política adulta não há espaço para ingenuidade: vence quem ilude melhor. Fazer o quê? Vivemos de ilusão. O problema é que a prestidigitação pública pode custar os olhos da cara e, não raramente, a cegueira da nação. Parece chato, mas mesmo o mundo dos talentos se rendeu ao business corporativo: do jogador de futebol aos artistas, tudo gira nas mãos dos agentes, dos empresários, e da instrumentalização da mídia.

Aqueles que ainda se inspiram em macro teorias socioeconômicas para explicar a violência – do marxismo aos capitalismo liberal – malograram. São obrigados a recorrer à lengalenga: “o problema é social”, “construção de mais presídios” ou “torcedores e agressores sem causa precisam de lazer”. O resultado final do justificacionismo irresponsável é o nonsense das políticas judiciárias e de segurança pública: encarceram-se punguistas, desocupados e viciados inofensivos enquanto assassinos renitentes e motoristas alcoolizados são liberados com recomendações de “medidas socioeducativas”. O que antes colava fácil, hoje derrapa na desonestidade intelectual. E chega de preconceito de classe social. Todas se envolvem em delinquência e em crimes hediondos. Não faltam B.Os. para comprovar.

Urgente: precisamos mudar de sentido. Que tal começar pelo circo?

Com a aproximação da Copa e da Olimpíada teríamos uma chance, única, de subverter a idolatria do êxito. Antes dos jogos façamos uma convivência lúdica entre rivais. Torcidas adversárias, misturadas, disputem partidas cômicas. A risada, a exposição ingênua ao ridículo e a autogozação, todas elas poderosas armas dissuasivas contra a banalização do ódio.

Na jogatina de palhaços distraídos pouco importa competir ou vencer: só vale nos divertirmos juntos.

Vamos nessa!