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Autoformação e a sociologia da ignorância 

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'A sociologia da ignorância' é o título de um livro que o educador Adin Steinsaltz escreveu em coautoria com o sociólogo Amos Fukenstein. Os autores trouxeram um conceito muito perturbador. Ousaram explicitar o momento social deste final da pós-modernidade. Não se trata de acidente ou fatalidade que parte significativa da comunidade global ainda esteja em condições miseráveis e deploráveis, em termos econômicos e educacionais respectivamente. Eles denunciaram uma luta, árdua, intensa e determinada para a manutenção da penúria.  Vale dizer, não é por passividade ou por acaso que a ignorância ainda seja um fenômeno de massas. Há um poder cuja missão é manter o status quo da humanidade inalterado. E a guerra contém uma particularidade: é quase invisível e possui uma força-tarefa que se desloca em silêncio. 

Um dos elementos mais importantes do processo educacional sempre foi oferecer ao educando a capacitação para o aprendizado. Neste sentido, não bastam livros, iPads ou salas de aula, é preciso atitude educacional e, sobretudo, entender o conceito filosófico de formação. O processo educativo não se limita ao ciclo corrente de bancos em salas de aula, competição acadêmica ou intermináveis baterias de avaliação. O que conta é ensinar a desenvolver a arte da conversação: a capacidade dialógica. Não é por acaso que os sistemas tutoriais perduram insubstituíveis nos melhores centros de ensino do mundo. 

Para dar formação ao sujeito é necessário que ele apreenda a experiência de sua própria história. Só assim pode fundir horizontes com os demais. Pois isso é a autoformação: um instrumento vital para sedimentar as noções de cidadania.     

Se o problema fosse só diplomas, nosso Congresso Nacional não seria o que é. Nas casas legislativas (Senado e Câmara Federal) há um pós-doutor, 11 doutores e 40 mestres além de mais de duas centenas de especialistas e profissionais liberais. Comparando com os países europeus (116 doutores no Parlamento alemão), é pouco, mas esse não é o ponto. A questão então pode se desviar da educação formal e cair justamente no perfil psicológico-cultural de quem se propõe a governar.  

Quando a lei da Ficha Limpa entrar em vigor nas próximas eleições, ninguém pode saber exatamente quais os impactos: mudarão drasticamente os hábitos políticos? Já deparamos com propostas de Ficha Limpa também para eleitores e funcionários públicos. Mas será que é isso mesmo? Não seria muito melhor obrigar os eleitores a lerem e inspecionarem à lupa o currículo dos candidatos?   

A tendência é que quanto maior o grau de instrução mais rigoroso será o eleitor. Sim, quem sabe mais, pode melhor discernir, portanto votar e escolher quem ofereça mais representação e atuação parlamentar. Hoje não podemos mais associar grau de instrução universitária com nível educacional já que a formação geral tem deixado muito a desejar. Infelizmente, quanto mais massificarmos o acesso universitário, de menos tempo individual o professor poderá dispor para formar o estudante.

Pois parece que na política a habilidade dialógica foi sendo substituída pela técnica de negociar valores: de verbas para emendas parlamentares, aos cargos e salários para filiados e correligionários. Não foi o PT nem o PSDB quem inventou a barganha negocial legislativa, no entanto, os partidos políticos já fizeram livre docência honorária nesse jogo. Se a política conservasse protocolos minimamente decentes, o fisiológico PMDB já estaria banido. A prova de que ninguém dá a mínima é o incólume protagonismo que este partido ainda exerce no Brasil junto com as agremiações nanicas. A chantagem substituiu o diálogo, e o poder foi se tornando uma cadeia perversa de transferências de decisões e responsabilidades. Sabemos que há um quê de intrinsicamente podre na politica. Talvez parte do pacote de maturidade da democracia. O que não se pode mais pedir é que a sociedade aceite goela abaixo regras viciadas de um jogo instável que a aliena cada vez mais daquilo que lhe diz respeito.  

O poder tem limites, e os que o emanam podem interditá-lo. 

* Paulo Rosenbaum é médico e escritor. - paulorosenbaum.wordpress.com