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Educação é educar-se  

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 Todos sabem que no Brasil temos feito progressos na inclusão de pessoas no ensino superior. Por outro lado, não está muito claro o quanto se sabe que o sucesso aparente não tem nada a ver com efetividade no aprendizado. Ensina-se, e não se aprende? Qual é afinal o objetivo da educação?

Decerto o que está por aí espalhado é que a educação é um processo que leva a encontrar melhores oportunidades no mercado de trabalho. Ou – outra versão – que assim a pessoa encontra e desenvolve seu talento.

Tomamos muitas coisas como dadas, mesmo quando elas não têm fundamentação alguma no mundo real. A maior parte das vezes o senso comum trata de validá-las por empuxo. Então, estamos na frente de dogmas e não do que realmente interessa: conversa, pensamentos e ideias.

Vamos analisar um pouco essas afirmações.

Em primeiro lugar, o mercado de trabalho tem sido cada vez mais uma incógnita para o mundo. Do campo da pesquisa aos grandes escritórios de advocacia hoje pode-se contar mais os contatos que a pessoa desenvolve do que a performance acadêmica, mesmo extraordinária, do aluno. A maioria concorda que com a revolução tecnológica empregos formais ficarão mais exíguos, e o “sucesso” vai depender, cada vez mais, da flexibilidade e capacidade de adaptação dos egressos às novas modalidades de ofícios.

Quanto à arquimitológica concepção de talento, talvez caiba analisar que não é ao acaso que 67% dos alunos matriculados em escolas superiores federais no Brasil (dados de 2008) mudam de curso (ou desistem) depois do primeiro ano letivo.

Isso significa que os alunos que entram não têm a mínima ideia do curso que estão por enfrentar. Talentos merecem outra discussão – pois certamente todos têm mais do que um – são aptidões possíveis que precisam de estímulo e atenção, e em geral emergem na infância. Com exceção de gênios que nascem prontos, mesmo os sujeitos mais inteligentes precisam de orientação para alcançar suas vocações apropriadamente.

Não se pode esperar até a véspera do vestibular – de passagem: uma instituição de triagem medieval – para inspirar o aluno em sua carreira “do coração”. Ainda que os testes psicológicos vocacionais em muitos casos sejam úteis, eles não substituem o contínuo acompanhamento dos pais, o seguimento refinado e observador para saber no que o filho  encontra prazer em se esforçar.

Sim, pois a ideia veiculada de que o sujeito precisa “gostar do que faz” pressupõe intuitivamente a ideia de que ele deve viver numa espécie de deleite permanente, enquanto a realidade estraga-prazeres se apresenta de forma um pouco mais ranzinza. Mesmo com talento à pele, é o esforço continuado e a renúncia aos outros temas, distrações e prazeres que definem se a aptidão será fracassada ou bem sucedida.  

Plantar a ideia mágica de que o ingresso no ensino formal – ou faculdades que seja – trará, necessariamente, um melhor encaminhamento na vida não passa de um tronco supersticioso.

 Se não prestarmos mais atenção nos desdobramentos do tipo de atenção que damos para as crianças, o esforço posterior terá sido muito menos efetivo. Isso significa que o título “educação é educar-se”, de autoria do filósofo Hans Gadamer, envolve uma modificação do educador que educa, ou seja, qualquer adulto que tenha crianças sob sua responsabilidade.

 Indo adiante, a missão da educação, formal, mas principalmente a  informal, talvez seja mesmo a mais delicada e decisiva meta para se alcançar qualquer excelência política e social.

O capitalismo, se quer mesmo tornar-se menos selvagem, precisa  compreender que os projetos sociais de ONGs, Ocips e todos as  instituições não tuteladas pelo Estado precisam ser fomentadas não  para subtrair uma culpa que deveria ser coletiva (e não só de quem  arrecada mais) mas porque disso depende se iremos escolher o caminho da brutalização dos cidadãos ou seu contínuo refinamento, a ignorância  ou a integridade. Sim, há uma escolha moral a ser feita, e o pior é que não se pode acusá-la de maniqueísta.

Somente assim a educação formal superior tornar-se-ia o desfecho de sucesso de que a sociedade precisa. Sem ela, continuaremos formatando experts sem talento e alimentando mitos, como por exemplo, que a  educação termina com o diploma.

 Educar-se é estudar-se.

* Paulo Rosenbaum, médico e escritor, é autor de 'A verdade lançada ao  solo' (Editora Record). - paulorosenbaum.wordpress.com