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Procuram-se leitores desesperadamente

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Todos ouviram a declaração do filho do homem com sobrenatural faro para negócios. Foi preciso coragem para assumir ter lido apenas um livro na vida. Os jornais repercutiram a notícia no tom brincalhão com o qual se aborda as excentricidades do mundo vip.

O depoimento não teve o impacto que merecia. Fácil explicar, boa parte das pessoas não lê, a começar pelos políticos que nem leem e sequer contestam e-mails dos seus eleitores. Por um capricho dos céus nem todos reagem da mesma maneira, e me incluo entre os poucos para os quais a notícia daquele solipsismo literário foi uma deprimente mensagem da realidade. 

Além da relativa baixa oferta e do ainda caro acesso aos livros, precisamos considerar o problema dos exemplos. Sabe-se que filhos de pais não leitores têm reduzidas chances de mostrar apreço pela bibliofilia. Se realizássemos enquete no Congresso Nacional para saber os últimos cinco livros consultados pelos parlamentares, ninguém ousaria duvidar dos resultados chocantes dessa pesquisa.

Aliás, deve mesmo haver um problema estrutural de leitura entre nós, já que o juiz relator do Supremo Tribunal Federal acaba de confessar que não conseguirá ler até o fim os autos do processo do mensalão e que, portanto, o mesmo prescreverá em 2013. Quando nada, é suficientemente absurdo, já se pode atestar: trata-se de uma época amorfa. Paciência, é só o que temos tido, não é mesmo?

Lutamos muito para superar estereótipos, mas a verdade é que ainda vivemos sob o espectro do “País do Futuro”, imortalizado pelo escritor Stephan Zweig. Pudera, o país conta com aproximadamente 77 milhões de não leitores pelo levantamento do Instituto Pró Livro (2007). Segundo recente estudo da Unesco, ocupamos uma discretíssima 47ª posição em relação ao número de leitores. Por outro lado, em 2010 foram 500 milhões os livros publicados no Brasil, um aumento de 23% em relação a 2009. Com a nova classe média, a realidade editorial encontra-se em transformação, mas não sei por que, há uma velocidade que não convence. Pois, como explicar que no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano do ano passado fomos ultrapassados por países como Jamaica e Bósnia?   

A falta de interesse em leitura de nosso atual establishment desvela uma percepção que talvez, infelizmente, seja a da maioria: cultura é artigo em desuso, notoriamente supérfluo. De seu lado, a literatura resiste e não se rende ao utilitarismo, não tem pretensões à capacitação intelectual, nem o mercado de livros está comprometido com qualidade (com folga, autoajuda ainda lidera as vendas).

A arte literária é assunto mais sério e politicamente relevante que o senso comum pressupõe, já que representa a totalização dos sentidos num momento histórico. Diante de um livro, acadêmico ou não, somos chamados a reagir com o espírito, e a indiferença torna-se quase impossível. A pena por menosprezar o “pão do espírito” é viver mutilados e apartados do saber.

Nesse sentido, valeria a pena uma mobilização nacional que instigasse famílias inteiras à leitura? Igualmente, seria de interesse estratégico nacional que os filhos da riqueza – estenda-se a oferta especialmente aos nossos parlamentares – assimilassem um repertório bibliográfico mínimo.

Nessa campanha cívica ninguém seria obrigado a saber sintaxe ou esmiuçar os personagens das ficções. E ainda que ninguém se convencesse da importância de Homero, Kafka ou Machado de Assis na avaliação dos mercados futuros, pequenas assimilações gerariam, no longo termo, eleitores mais críticos e, quem sabe, uma elite menos dura, mais generosa e permeável aos problemas que afligem o país. Sim, mas é claro que capitalistas esclarecidos teriam mais a oferecer. Verdadeiros estadistas poderiam emergir e associar o melhor do empreendedorismo privado e eficiência administrativa, dirigindo seus esforços para melhorar a coisa pública. Ademais, produziriam turbulência no cenário político viciado a que estamos sendo submetidos desde a redemocratização do Brasil.

Mesmo que não funcione, teríamos ao menos aplacado a miséria que existe na riqueza e no acúmulo, reduzindo a imoral pobreza de espírito que o fantasma da ignorância assopra por aqui.