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Como explicar aos nossos filhos que eles não terão emprego?    

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A Europa mergulha na crise e o euro derrete-se assim como a unidade artificial que o Mercado Comum sonhava construir. Um lindo projeto sem  unidade espiritual. Portugal, Grécia, Itália, Espanha, e quem será o próximo? Cresce o temor de que eleitores frustrados agora escolham os arrivistas que substituem sonhos por promessas inconsequentes. Afinal, salvadores, da direita à esquerda, são especialistas em emergir nas crises. E quanto ao Brasil? Flutuará incólume no arquipélago das bancarrotas? Alguém, mesmo suficientemente sábio, não responderá por que os sonhos vão embora antes mesmo que estejamos acordados?

Tanto partidos como a organização política na sociedade tem estado mais ou menos com a mesma cara e usando os mesmos métodos, desde que a democracia se consolidou no mundo ocidental, especialmente na segunda metade do século 20. Mas os sistemas de representação envelheceram, e as transformações vitais, se é que houve, foram discretas. Quanto mais sufrágios colecionamos, mais a política foi ficando reduzida aos bastidores, aos colégios eleitorais, aos jogos de interesse, aos cargos, às verbas e às cartadas.  E mais recentemente, de modo epidêmico, vem se transformando nisso que todos temos testemunhado.

 A descrença generalizada nos legisladores que aparece nas pesquisas — no mundo apenas 14% das pessoas confia em seus representantes, e no Brasil este número desce para 11% (dados de 2010) —  não pode surpreender ninguém. Não há a menor esperança em política da forma e por quem ela vem sendo praticada. Há quem não queira enxergar, mas as crises de governabilidade vieram para ficar e tornam os prognósticos cada vez mais complicados.

Recentemente, um jornalista de famoso periódico internacional  provocou os leitores com um assunto espinhoso: qual o futuro dos assalariados? Imaginei a seguinte manchete “Como explicar aos nossos filhos que eles não terão empregos?” Dramático, mas é perfeitamente razoável prever que tenhamos que nos preparar para fazer cartilhas e livros didáticos infantis com o tema. Se a especulação financeira e suas afilhadas, as bolhas sucessivas, continuarem estourando e o mundo produtivo permanecer sob os juros e a especulação, onde é que sobrarão vagas?

Esse grande mito contemporâneo chamado “mercado financeiro” é um ditador confuso e caprichoso, mas que velocidade! Gera e caça regras sem que ninguém consiga multá-lo, compreendê-lo, sequer detectá-lo. É claro que os grandes negócios interessariam a todos, assim como o sucesso das economias, especialmente se fome e privação coletiva regredissem pari passu.

Tem faltado à política reencantamento, algum elemento transcendente, o toque simbólico. Quem sabe, um arremate mágico, que devolvesse à sociedade e a seus sujeitos os valores perdidos. Mesmo que a corrupção e o niilismo individualista estejam avançando por degraus impensáveis, a questão é outra, maior: por que precisamos disso tudo? Por que o consumismo — pense, logo terás — virou o principal motor humano? Como pudemos fazer da vida uma corrida esvaziada pela obsessão pelo acúmulo? Por que tudo ficou tão objetoalizado? Falta um pouco de sonho, de irrealidade.           

Precisamos assumir outra dimensão filosófica e politica que impregne as ações e saberes de uma comunidade. Uma novíssima política seria uma espécie de reação de saúde da sociedade. Uma resposta “ao mais do mesmo” que temos visto aqui e acolá. Esta reação — exigiria de saída uma base pacifista e dialógica — deveria ser capaz de magnetizar os políticos e pessoas que realmente possuem alguma vocação para gerenciar a coisa pública, já que uma hora dessas Macunaíma precisará morrer.  

Um santo deslocamento mexeria com os valores e, mesmo sem inspiração metafísica, a ética e o cuidado poderiam ser refundados, passando a ser base e princípio de uma nova sociedade. O único modo será privilegiar pessoas e não rebanhos amorfos. Num país praticamente sem oposição não seria difícil reunir uma frente suprapartidária. A reação intensificaria esforços para radicalizar alguns aspectos da cidadania, não mais como discursos de tribuna mas ações efetivas: estudar e sancionar leis que estimulem a participação voluntária, mais e melhores bibliotecas públicas, como fez recentemente a Colômbia, desburocratizar o acesso à cultura, à educação e às artes, convocar as pessoas (e o voto distrital seria um grande avanço) para que elas mesmas legislem seus bairros e comunidades. Sim, elas podem, e elas devem.

Arrisco a afirmar que o excesso de consumo de bens materiais encobriu outra fome — aquela que nasce pelo desejo do espírito. Vilipendiado pelo iluminismo, anulado pelo cientificismo, transformado em plataforma política pelas Igrejas e desfigurado nas mídias. O espírito, desconstruído pela vida material, insiste e, mesmo amordaçado, murmura publicamente seus incômodos. Falta alguma coisa, e não sabemos bem o que é. Já tivemos a experiência de uma metafísica sem ética e de uma ética sem metafísica, como desejavam os surrealistas. Penso que chegou a hora de alguma reunificação.