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O problema com o Irã é do mundo

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Passando uns dias em Boston (Massachussets, EUA), foi possível avaliar in loco a reação dos norte-americanos em relação ao desempenho recente de Obama. O intuito seria estimar que seu descompasso com a opinião pública poderia ter aumentado conforme a atual administração americana explicitasse as prováveis medidas em relação à corrida iraniana para obter o artefato bélico nuclear. A opinião pública americana, mesmo farta de guerras e ainda muito dividida quanto a um possível novo front, pareceu ter assimilado bem o didatismo do presidente. Na entrevista coletiva no Havaí em que colocou as cartas na mesa ele foi além do jogo para a plateia e explicou –– o novo problema que um acesso à bomba iraniana traria, desestruturando de vez o já decrépito tablado, e para bem além do Oriente Médio. 

Foi Herbert Marcuse quem escreveu que o equilíbrio estratégico entre as potências se dava exatamente na tênue gangorra: posse e ao mesmo tempo inexequibilidade de uso do arsenal nuclear pelas superpotências. O emprego de armas de destruição em massa –– como um bom jogo da velha –– determinaria sempre empate ininterrupto e derrota bilateral. Nesse frágil balanço é que se evitaria que o mundo terminasse como no pesadelo de Einstein: não se pode prognosticar o curso da terceira guerra mundial, a quarta, entretanto, seria travada a paus e pedras.

É preciso compreender que o problema com o Irã não é só de Israel, concerne ao mundo. Enquanto Israel parecer ser o único e maior interessado em que o Irã não coloque as mãos na bomba –– significa que a política externa dos persas e sua bem remunerada mídia estão funcionando muito bem. Foi brilhante construir como único arqui-inimigo um adversário relativamente demonizado e em geral malquisto na imprensa internacional!  

Por isso precisamos colocar as coisas nos contextos apropriados. Para quem conhece um pouco melhor a política doméstica dos aiatolás sabe que por lá, hoje, inexiste qualquer espécie de controle social e, que, sob violenta autocracia, a eventual decisão de ataque (ou contra-ataque) dirigido a quem quer que seja, depende do aval de duas ou três pessoas da chamada Guarda Revolucionária que agem sob inspiração ideológica.  Ninguém pede que se acredite nisso piamente. Seria mais prudente ouvi-los no original, mesmo que seja através das raras declarações que já vieram a público. Isso para que cada leitor decida sozinho quais são as intenções desses homens e o quanto se deve levar a sério sua obstinação. Para os fiéis teocratas de Teerã parece lícito e exequível destruir o inimigo mesmo que não haja vencedor. Não me peçam para explicar, mas esse é o modo como parecem fundamentar as coisas.

Malgrado a guerra ainda parece ser pulsão longe de domesticada pela humanidade, por isso, talvez, a aura da paz tenha semblante anti-natural, e se faz à revelia do instinto.

Ninguém pode apostar ao certo quais os desdobramentos de decisões militares preventivas, mas as chances ofertadas à paz se estreitam escandalosamente. Quando o mundo se cala –– essa doença crônica da humanidade –– o comum é que a omissão cobre os débitos na fatura seguinte. Nesse caso, se o conjunto de nações não conseguir união e consenso para recusar jogar o jogo que eles fingem não jogar, o Irã continuará o protelatório até ganhar o tempo necessário como, aliás, vem fazendo. Quando enfim anunciar que tem as ogivas embaladas dentro dos mísseis (pois tecnologia para alcançar Israel e segmentos da Europa já há) será leite derramado, e um desastre maior estará mais próximo para todos.   

O sempre detestável começo de uma guerra já é seu fim, especialmente para os mortos, feridos e inocentes que ficarem no caminho das balas. É claro que a diplomacia internacional se abanará e correrá no afogadilho para obter o cessar-fogo dizendo que já fez o possível, quando, na verdade não, a começar pelo Brasil. Ajudar o Irã e seu povo de verdade seria, usando de todos os meios disponíveis e urgentemente, demovê-los da ideia de produzir aquilo que tanto obseda o regime. Tarefa perdida opina a maioria, mas, ao menos, demonstraria real vocação à liderança e enorme solidariedade à civilização. 

A atual política externa brasileira – sob o disfarce de slogans como soberania e independência – tem pautado as ações pelo imediatismo pseudopragmático e só faz reforçar a tese de que a política global, num cenário cada vez mais sórdido, se tornou mais business de expansão mercadológica do que um constante reparo na distância entre os povos. Pena, pois o assento permanente no Conselho de Segurança requer mais visão de horizonte, ousadia estratégica e audácia para sacrificar oportunismo às decisões difíceis, porém vitais.