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O santo castigado

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Muito rapidamente o prêmio está virando castigo para o ex-governador Geraldo Alckmin. A decisão do STJ, de encaminhar para a Justiça Eleitoral, e não para os procuradores da Lava Jato, o processo contra ele pelo recebimento de R$ 10,7 milhões da Odebrecht, gerou a primeira agenda negativa de sua campanha e promete danos consideráveis à sua empacada candidatura. A manobra que o ex-procurador-geral Rodrigo Janot considerou “tecnicamente difícil de engolir”, gruda em Alckmin o selo da impunidade, de beneficiado pela seletividade da Justiça, na mesma semana em que ele e outros líderes do PSDB justificaram a prisão do ex-presidente Lula com o refrão “a lei é para todos”.

O juiz Sérgio Moro condenou Lula mesmo não encontrando atos de ofício, vale dizer, provas de que ele favoreceu a construtora OAS em troca do tríplex do Guarujá, do qual nunca teve a posse nem a propriedade legal por escritura. Este é um ponto que, para muitos juristas e advogados, fragiliza a sentença de Moro. Mas, pelo mesmo motivo, o procurador-geral adjunto Luciano Mariz Maia decidiu que Alckmin não deve ser investigado por corrupção passiva. Na falta de atos de ofício, disse ele, só cabe a investigação por recebimento de caixa dois, delito eleitoral sem consequências que é o sonho de consumo de todos os políticos encalacrados na Lava Jato. Até aqui, a operação tratou como propina todo recurso transferido por empreiteiras a partidos ou políticos. Com o agravante de que os delatores da empreiteira estabeleceram relação direta entre pagamentos e contratos, sejam no âmbito da Petrobrás ou firmados com os governos tucanos de São Paulo.

Para piorar, descobriu-se que Alckmin prestou depoimento sigiloso e por escrito sobre os R$ 10,7 milhões destinados ao “Santo”, nas campanhas de 2010 e 2014. Os delatores informaram que “Santo” era ele. Parte do dinheiro foi recebida por seu cunhado, que mesmo não sendo autoridade, depôs por escrito. Proteger um investigado de exposição pública quando outros investigados são expostos à execração pelo espetáculo midiático é privilégio, é favorecimento, práticas tão condenadas pela população quanto a corrupção.

O desgaste vem no momento em que ele precisa se diferenciar dos demais candidatos nanicos de direita e enfrenta o avanço de Jair Bolsonaro sobre seu reduto de votos em São Paulo. Não se viu ninguém bater panela contra a escandalosa seletividade, mas ela desagrada pelo menos a uma boa parte do eleitorado conservador que acredita na justiça para todos. Nenhum procurador fez jejum em protesto mas a manobra feriu os brios do núcleo paulista da Lava Jato, que busca meios para abrir um inquérito criminal paralelo.

Sobra do caso vai para o Judiciário, já tão desgastado pelos tratamentos assimétricos e pela guerrilha no STF entre punitivistas ardorosos e garantistas impotentes diante do avanço do autoritarismo judicial.

MISSÃO 115

Está em curso, no Rio e em São Paulo, o Festival Internacional de Documentários “É tudo verdade”, o mais importante do gênero, primo nobre da reportagem. Este momento de militares assanhados, de espanto com a pressão do comandante do Exercito sobre o STF, na véspera do julgamento do habeas corpus negado a Lula, de gente pedindo intervenção militar nas ruas, recomenda, entre tantos bons filmes inscritos, o documentário de Missão 115, de Silvio Da-Rin. Ele resgata os atos terroristas praticados por grupos de extrema-direita contrários à redemocratização, no final da ditadura. Bombas aqui, bombas ali, a escalada culminou no atentado do Riocentro, em 1980. Silvio colhe muitos depoimentos, inclusive o do ex-policial Claudio Guerra, que conta em detalhes como a operação foi planejada e executada.