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Lula refaz seu mito

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As longas e dramáticas horas que se seguiram à ordem de prisão do ex-presidente Lula, na quinta-feira, podem terminar  hoje, sem sangue e sem morte mas, com um pouco mais da insensatez que pontuou  todo o processo, poderiam ter sido trágicas. Caso se entregue mesmo hoje,  depois da missa pelo aniversário de sua falecida mulher, dona Marisa,   Lula terá feito sua própria hora,  será preso “sem baixar a cabeça”,  depois da demonstração de apoio popular que fará dele um preso político, embora condenado por corrupção.  Lula refaz seu mito. As imagens correrão o mundo e estarão na  campanha eleitoral.  Foi a precipitação do juiz Sérgio Moro, ao ordenar  sua prisão atropelando prazos e ritos,  que lhe permitiu protagonizar o auto de resistência. E ainda existe a hipótese de o STF acolher uma reclamação contra os atropelos.  Se não tivesse errado, Moro não teria engolido o desaforo. Por outro lado,  ordenando  o uso da força,  poderia ter provocado uma tragédia. 

Foi no começo da noite de quinta-feira que a multidão começou a chegar ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, onde Lula despontou como sindicalista e depois como político,  e ali parte dela varou a noite. Na manhã de ontem a multidão cresceu e ali ficou, enquanto corria o prazo para que Lula se apresentasse em Curitiba.  Às 17 horas ele continuava dentro do prédio, cercado de apoiadores, enquanto a multidão crescia, recebendo caravanas de outros estados.  No resto do Brasil não houve comoção de massa mas houve estradas fechadas, e  protestos, maiores ou menores,  em muitas cidades.   Muita informação desencontrada enquanto os advogados  faziam seu trabalho.  Só no início da noite acompanhantes de Lula começaram a admitir um acordo pelo qual ele se entregará hoje depois da missa.   A resistência não pode durar para sempre mas já cumpriu seu papel. Na política, a forma de tombar  faz diferença. Lula se vai mas desafiando Moro, os adversários e resgatando para o PT a sintonia com uma base que andava dispersa.

Por volta das 17 horas o nervosismo aumentou muito entre os manifestantes. Como Lula continuava no prédio, embora não pudesse ser considerado foragido, temia-se que Moro mandasse a PF, com a ajuda da PM, pegá-lo à força.  Haveria confronto, na certa.  O vereador do PSOL Leonel Brizola Neto chegou a dizer:  “Eles podem dar o primeiro tiro. Daremos o segundo e o último”.  Seu avô protagonizou um dos mais contundentes atos de resistência política (e armada) em defesa da democracia,  em 1961, quando os militares vetaram a posse do vice-presidente João Goulart depois da renúncia de Jânio.  A guerra civil esteve por um triz, evitada pelo acordo  que garantiu a posse de Jango em sistema parlamentarista. 

Não há, é claro, similaridade entre as duas situações mas também agora poderia ter havido o pior.  A insensatez  vem de antes da precipitada ordem de prisão de Moro, na ânsia para exibir o troféu maior da Lava Jato.  Quem for capaz de avaliar o processo sobre o tríplex do Guarujá  sem as lentes do antipetismo admitirá que ele contém anomalias , e que  Moro condenou Lula com insuficiência de provas.  Depois veio o STF com o julgamento heterodoxo do pedido de habeas corpus. A presidente inverteu a pauta buscando um resultado e uma ministra disse estar  votando contra suas convicções.   E Moro, horas depois, sem esperar o esgotamento dos recursos no âmbito do TRF-4, formalidades que ainda levariam uns dez dias,  expediu a ordem de prisão.  A rapidez, que  devia surpreender em se tratando de  Lula, fermentou a revolta no campo da esquerda. Moro sabe que errou, e só por isso engoliu o espetáculo da resistência. 

O desfecho ainda pode ser outro, a depender do STF. A defesa entrou com reclamação para que a prisão seja suspensa até à completa análise dos recursos pelo TRF-4. O STJ negou pedido semelhante mas o relator no STF, o falcão Fachin, pode reconhecer os atropelos de Moro.  O drama segue