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Acertos, erros e limites dos métodos de pesquisa

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Criatividade e conhecimento da metodologia de pesquisa nas Ciências Sociais foram temas destacados por Elizabeth Silva, professora titular de Sociologia na Faculdade de Artes e Ciências Sociais da Open University, no Reino Unido, durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Metodologia em Ciências Humanas, realizada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com apoio da FAPESP.

“Não sou contra o uso de nenhum método. Podem ser usadas abordagens qualitativas de grupos focais, entrevistas, etnografias e explorações visuais, ou métodos de pesquisa quantitativa. Isso vai depender de cada projeto de pesquisa. Mas o importante é que o cientista social tenha consciência dos limites do método que utiliza”, disse a pesquisadora que proferiu a palestra inaugural da Escola que se encerra hoje, 21 de julho.

O objetivo da Escola foi de fornecer subsídios para que os participantes – 100 alunos da área de Ciências Humanas vindos de diversas partes do mundo – possam acompanhar os avanços do ponto de vista metodológico nas Humanidades e Ciências Sociais. Pesquisas na área têm aliado técnicas computacionais, digitalização de acervos artísticos e análise de dados à observação de fenômenos e tendências investigados.

Para Silva, é importante fazer esse contraponto. Independentemente das técnicas computacionais ou da metodologia, a importância está no questionamento a ser feito e no contexto da investigação.

“O método é capaz de criar mundos sociais, uma visão de vida social e de dinâmica social específica. É preciso que o cientista social tenha a consciência disso e dos limites de cada método. Em um mundo social extremamente complexo, quanto mais variada a abordagem metodológica da investigação, mais completa e mais confiáveis podem ser os resultados e as explicações”, disse.

Segundo ela, em uma investigação é importante analisar vários ângulos para se compreender o objeto de estudo. “Os métodos representam diferentes perspectivas, mas a mistura também traz complicações. É preciso entender o que cada método faz. Um grupo focal tem seus problemas. Uma entrevista individual ou um questionário têm outros. Cada um gera um tipo de realidade. Precisamos então de criatividade para buscar o conhecimento”, disse.

Silva ressalta, no entanto, o risco de se prender demais à metodologia de pesquisa. “É claro que método é importantíssimo, mas não podemos abusar criando ‘metodolatria’”, disse.

Silva graduou-se em 1973 e fez mestrado em Ciência Política (1982) na Universidade de São Paulo (USP) e doutorado, com apoio da FAPESP, no Imperial College of Science and Tecnology, em Londres. Depois do doutorado, retornou ao Brasil para lecionar na Unicamp, em 1989. Em seguida, foi pesquisadora visitante na Harvard University e lecionou na Brown University, nos Estados Unidos. Trabalhou por sete anos no Departamento de Sociologia na University of Leeds, no Reino Unido, e há 17 anos está na Open University, onde é professora titular do Departamento de Sociologia e diretora do Centre for Citizenship, Identities and Governance (CCIG).

Desconhecimento e erro

Silva conduziu uma pesquisa com outros colegas britânicos sobre gostos culturais no Reino Unido, realizada no Centre for Research on Socio-Cultural Change (CreSC), parceria entre a Open University e a University of Manchester. Um estudo parecido deve ser realizado futuramente no Brasil, no qual ela atuaria como consultora.

Com base no estudo sobre a organização de práticas culturais na Grã-Bretanha contemporânea, Silva e colegas avaliaram um dos mais importantes textos da sociologia moderna, La distinction, de Pierre Bourdieu.

O resultado está no livro Culture, Class, Distinction, com reavaliações das relações entre classe, gênero e etnia e gostos culturais na música, cinema, televisão, literatura e consumo de artes, além de práticas esportivas e culinárias.

Na palestra realizada na Unicamp, Silva falou aos alunos da Escola São Paulo de Ciência Avançada sobre erros de compreensão e outros equívocos percebidos na checagem de informações do estudo realizado no Reino Unido.

Os pesquisadores verificaram, por exemplo, que a inclusão no questionário do termo "film noir” – subgênero de filme enfocando a dramatização de crimes com tons sexualizados e cínicos –, por exemplo, foi muitas vezes interpretado pelos respondentes como um gênero de filmes mal compreendido, por sua associação com "alta cultura". Isto, segundo ela, mostra o complexo sistema de classificação de gêneros culturais, e a possibilidade de um questionário ser mal interpretado e poder levar a erros em uma pesquisa.

“Cada método tem suas implicações e todos os métodos podem conter acertos, mas também erros”, disse. Ela ressalta que o reconhecimento do erro faz parte do processo de pesquisa, pois só reconhecendo o problema será possível corrigi-lo e verificar que tipo de mundo social seria construído se o mesmo não tivesse sido corrigido, e as implicações que os erros têm sobre as interpretações feitas.

“A sabedoria sobre o erro, e sobre as implicações dos métodos que se usa, é fundamental para a criatividade do processo de investigação. É preciso ficar constantemente em revisão, perguntando como o uso daquele método contém concepções sobre a realidade social e as relações entre pessoas e espaços que afetam os dados de pesquisa e o entendimento sobre a vida social”, disse. 

*Agência FAPESP