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Antropóloga investiga dicionários populares para estudar sociedade do Rio 

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A açucena branca significa candura. Já a amarela quer dizer “tens a preferência”. Se for um amor-perfeito da mesma cor, a mensagem é “não te demores”. Esses e outros significados são encontrados nos “dicionários das flores” – tipo de publicação bastante popular no século XIX, na qual cada flor correspondia a uma mensagem de amor. Eram livros fartamente divulgados, baratos e atingiam grande circulação.

O dicionário funcionava como uma espécie de código amoroso, usado para enviar mensagens cifradas entre os jovens amantes com o intuito de driblar os olhares vigilantes dos pais e maridos.

“A popularização desse tipo de publicação no século XIX no Rio de Janeiro esteve intimamente ligada ao desenvolvimento urbano da corte. Foi nesse período que as moças, em particular as nascidas na burguesia urbana, começaram a frequentar os espaços públicos”, disse a pesquisadora Alessandra El Far, antropóloga e professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que dedicou dois anos, de 2011 a 2013, à pesquisa dos dicionários das flores.

As primeiras publicações do tipo tiveram origem na França no próprio século XIX. A versão mais antiga conhecida, e também a mais famosa, foi escrita por Madame Charlotte de Latour, em 1819. Várias edições foram traduzidas e adaptadas a partir dessa.

O formato das edições variava bastante, indo desde as mais simples, de capa brochada, contendo apenas os verbetes e que somavam 50 a 70 páginas, até as ricamente ilustradas, de luxo, que traziam -- além dos significados – jogos galantes, outras linguagens secretas baseadas nos usos de leques, bengalas, pedras e cores, além de poemas que versavam sobre as flores. Na tentativa de atrair o público leitor, os editores estampavam logo na capa a mensagem: “aos fiéis súditos de cupido”.

“No século XIX, ocasiões como bailes e passeios públicos passaram a ser muito bem aproveitadas para galanteios. E, nesse cenário, a linguagem das flores poderia ser usada pelos namorados, que também aproveitavam essas oportunidades para a troca discreta de bilhetes e cartas de amor”, completou El Far. A partir do início do século XX, entre as décadas de 1910 e 1920, os dicionários das flores começaram a cair em desuso. “Quando as moças passam a desfrutar de uma maior liberdade de convívio com os rapazes, a linguagem das flores perde importância como ferramenta de galanteio.”

Durante sua pesquisa, a antropóloga avaliou mais de 20 edições publicadas no Rio de Janeiro e em Portugal, além de outras publicações também relacionadas à linguagem das flores, como, por exemplo, os manuais de jardinagem. Entre as portuguesas, deu preferência às que também circulavam no Brasil.

Entre as obras estudadas está o Dicionário da Linguagem das Flores, publicado em Lisboa em 1869. No Rio de Janeiro, esse tipo de livro era editado por diversas livrarias, entre elas a Garnier e a Laemmert.

Para realizar sua investigação, El Far fez várias viagens ao Rio de Janeiro, para pesquisar na Biblioteca Nacional, e duas a Portugal. Durante a primeira visita, em setembro de 2011, apresentou um trabalho sobre o dicionário das flores no Congresso Internacional Pluridisciplinar com o tema “Flowers/Fleurs/Flores”, realizado pelo Centro de História e Teoria das Ideias da Universidade Nova de Lisboa, que discutiu os diversos usos e significados das flores nos contextos filosófico, religioso, histórico e na literatura.

Durante a segunda visita, realizada ao longo do mês de julho de 2012, a antropóloga deteve-se no acervo da Biblioteca Nacional de Portugal. “Descobri que havia lá diversas edições, tanto cariocas quando portuguesas”, contou El Far.

Agência Fapesp