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Pesquisadores testam proteína capaz de estimular o sistema imunológico

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Uma terapia experimental feita com um tipo de proteína conhecido como lectina foi capaz, em testes com camundongos, de estimular o sistema imunológico e aumentar a resistência contra doenças como leishmaniose, toxoplasmose e paracoccidioidomicose. Os pesquisadores acreditam que o mesmo método possa ser usado no combate a outras doenças infecciosas e a tumores.

O estudo está sendo conduzido na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), sob coordenação da professora Maria Cristina Roque Antunes Barreira e com apoio da FAPESP.

Roque-Barreira coordena o Laboratório de Imunoquímica e Glicobiologia, que há mais de 20 anos investiga o papel das lectinas – proteínas capazes de decodificar as informações contidas na camada de açúcares que reveste as células – na imunidade.

Todas as células animais e vegetais possuem, na membrana plasmática, uma camada de açúcares com estrutura bastante diversa chamada glicocálice. Além de proteger a célula, o glicocálice participa da ativação de uma série de sinais intracelulares.

“Moléculas de lectinas possuem uma região especializada para se ligar a um tipo específico de açúcar e, com isso, desencadear certas respostas na célula, que podem ser de proliferação, migração, morte celular ou produção de mediadores químicos”, explicou a pesquisadora.

O grupo coordenado por Roque-Barreira dedica-se a estudar lectinas capazes de induzir as células de defesa a produzir citocinas, de maneira que uma resposta imunitária mais eficiente contra determinados microrganismos seja montada.

Para desvendar os mecanismos de reconhecimento de açúcar na superfície das células de defesa, os pesquisadores testaram uma lectina extraída da semente de jaca – chamada ArtinM – em uma linhagem de células do sistema imunológico humano.

“A lectina de jaca, assim como de outras plantas, vem sendo usada como ferramenta em muitos laboratórios por sua capacidade de induzir a proliferação de células em cultura. Mas isso sempre foi feito de maneira empírica, não se sabia qual era exatamente a interação que ocorria”, disse Roque-Barreira.

Os pesquisadores da FMRP-USP observaram que a ação de ArtinM sobre células do sistema imunológico estava relacionada com o estímulo à produção de interleucina 12, uma citocina capaz de ativar um tipo de célula de defesa chamado linfócito T helper 1 (TH1).

“Esses linfócitos TH1 secretam grandes concentrações de outra citocina chamada interferon-gamma (IFN-?), que aumenta a atividade microbicida dos macrófagos, favorecendo o combate a patógenos de parasitismo intracelular”, contou Roque-Barreira.

Os pesquisadores então testaram o efeito da proteína em dois modelos animais. No primeiro, os camundongos foram infectados com o protozoário Leishmania major, causador da leishmaniose cutânea.

“Usamos uma linhagem de camundongos altamente suscetível ao L. major. Nesses animais, a ArtinM induziu a produção de interleucina 12, deixando-os mais resistentes à infecção”, contou Roque-Barreira.

No segundo modelo de estudo, os camundongos foram infectados com o fungo Paracoccidiodes brasiliensis, causador da paracoccidioidomicose – doença endêmica no estado de São Paulo que causa fibrose pulmonar e pode atacar outros órgãos. Nesse modelo, a administração de ArtinM também tornou os animais mais resistentes à infecção.

O próximo passo foi descobrir com qual estrutura da célula de defesa essa lectina estava interagindo, contou Roque-Barreira. “Vimos que essa lectina se liga aos açúcares dos receptores do tipo toll-like 2 (TLR2), que existem em grandes quantidades na superfície dos fagócitos (grupo de leucócitos que inclui neutrófilos, macrófagos e células dendríticas). Isso dispara um sinal que estimula a célula a produzir interleucina 12.”

Para comprovar os achados, os pesquisadores trabalharam com camundongos que tiveram o gene codificador do receptor TLR2 nocauteado. “Observamos, de fato, que, sem TLR2, a ArtinM deixa de induzir a produção de interleucina 12”, contou.

Proteínas recombinantes

A aplicação terapêutica da lectina extraída da semente de jaca em humanos é limitada, de acordo com Roque-Barreira, pois a proteína, estranha ao organismo, poderia desencadear uma reação imune não desejada. Os cientistas então decidiram investigar se os próprios patógenos causadores das doenças também expressam lectinas capazes de estimular a produção de interleucina 12.

No fungo P. brasiliensis os pesquisadores encontraram a paracoccina, uma lectina capaz de se ligar a um açúcar chamado N-acetil- glicosamina.

Já no Toxoplasma gondii, protozoário causador da toxoplasmose, verificaram que moléculas chamadas proteínas de micronemas são ligantes de açúcar e possuem propriedades muito semelhantes às de ArtinM. “Duas dessas proteínas, a MIC1 e a MIC4, têm a capacidade de reconhecer, respectivamente, o ácido siálico e a galactose – açúcares que podem estar expressos na superfície das células de defesa”, explicou Barreira.

Testes in vitro mostraram que tanto a paracoccina como a MIC1 e a MIC4 também interagem com os receptores TLR2 e induzem a produção de interleucina 12. A etapa seguinte foi testar o efeito in vivo.

Para isso, foram usados dois modelos experimentais: camundongos infectados com P. brasiliensise camundongos infectados com T. gondii.

Doze dias após a infecção pelo T. gondii, 100% do grupo de animais não tratados havia morrido. Já no grupo que recebeu a MIC1 e a MIC4, 80% dos camundongos estavam vivos após 30 dias da inoculação do parasita.

“Avaliamos também o número de cistos do protozoário que haviam se formado no cérebro dos animais. Entre os tratados, encontramos em média 300 cistos. Nos cérebros dos camundongos não tratados, foram mais de mil cistos. Isso mostra que a terapia tornou os macrófagos mais eficientes para eliminar os parasitas”, disse Barreira.

A fim de verificar o efeito do tratamento com paracoccina entre os infectados com P. brasiliensis, os cientistas quantificaram o número de colônias do fungo que se formaram no pulmão dos camundongos. Foram encontradas, em média, 300 mil colônias entre os animais não tratados. Naqueles que receberam a lectina, o número caiu para 50 mil.

“Por meio de microscopia, também observamos que o pulmão dos animais tratados com paracoccina apresentava seis vezes menos lesões inflamatórias do que o do grupo controle”, disse Roque-Barreira. Os resultados foram (https://informahealthcare.com/doi/abs/10.3109/13693780903501671) publicados na revistaMedical Mycology.

Nos dois modelos de estudo, o efeito da terapia foi testado antes e depois da infecção. De acordo com Roque-Barreira, as lectinas foram capazes de proteger os animais tanto quando administradas de forma profilática quanto terapêutica.

“Essa abordagem pode ser usada também em humanos, pois o paciente infectado já está em contato com os antígenos contidos nos parasitas. Administrar uma proteína do próprio patógeno não vai criar hipersensibilidade adicional no organismo e vai proteger contra a progressão rápida da doença”, disse.

O grupo da FMRP-USP desenvolveu formas recombinantes dessas proteínas, ou seja, já é capaz de produzi-las em grandes quantidades usando como ferramentas organismos geneticamente transformados para expressarem os genes da paracoccina, da MIC1 e MIC4.

“A ativação da resposta imunológica do tipo TH1 pode ser benéfica não só contra doenças infecciosas como também contra câncer. No fígado, por exemplo, temos evidências de que a administração de lectinas previne a carcinogênese”, disse.

Em linhagens de células leucêmicas, os cientistas mostraram que a ArtinM foi capaz de induzir a morte das células tumorais. 

Agência Fapesp