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Projeto brasileiro abre nova janela para o Universo

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“Abrir uma nova janela para o Universo”: é esta expectativa, saudavelmente imodesta, que anima o Projeto Temático “Nova física no espaço: ondas gravitacionais”, apoiado pela FAPESP.

Para abrir essa janela, o projeto, coordenado por Odylio Denys de Aguiar, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pesquisador colaborador da Universidade de São Paulo (USP), conta com duas chaves poderosas: o detector brasileiro Mario Schenberg e a participação criativa no detector norte-americano aLIGO (Advanced Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory).

O detector Mario Schenberg consiste em um aparato cujo principal componente é uma esfera de cobre-alumíno de mais de uma tonelada, resfriada, por meio de hélio líquido, a poucos centésimos de grau acima do zero absoluto. Nessa temperatura, praticamente cessa toda a agitação atômica, possibilitando que as fraquíssimas ondas gravitacionais sejam observadas sem a indesejável interferência do “ruído térmico”.

Já o aLIGO (um aperfeiçoamento do projeto LIGO) é, basicamente, um interferômetro laser, que detecta a passagem da onda gravitacional pelo movimento oscilatório relativo que ela provoca em espelhos separados entre si por quatro quilômetros de distância.

Se o surgimento da radioastronomia, na década de 1930, permitiu a descoberta de objetos que haviam escapado, durante milênios, à observação óptica convencional (a olho nu ou por telescópios), e o desenvolvimento posterior das pesquisas ampliou extraordinariamente o acervo de dados, acessando fontes cósmicas que emitem radiação em outras faixas de espectro eletromagnético além do rádio e da luz visível (micro-ondas, infravermelha, ultravioleta, raios X e raios gama), o estudo em pauta possui meta ainda mais ambiciosa: extrapolar a bitola eletromagnética e estudar o universo a partir de outro tipo de interação, a gravitacional.

“Em vários eventos da natureza, parte ou a totalidade das ondas eletromagnéticas produzidas não conseguem atravessar as camadas de matéria ou vencer os intensos campos de força e chegar até nós. Isso ocorre nas explosões de supernovas, em choques de objetos ultramaciços como buracos negros e estrelas de nêutrons e também em relação ao universo primordial”, disse Aguiar à Agência FAPESP.

“Porém as ondas gravitacionais, por interagirem muito fracamente com o meio material, conseguem atravessar altas concentrações de matéria (com densidades semelhantes às dos núcleos atômicos, por exemplo), sem serem absorvidas”, prosseguiu o pesquisador.

Por isso, a “astronomia gravitacional” ampliaria radicalmente as possibilidades da pesquisa científica. Fenômenos que sempre se esgueiraram da detecção eletromagnética poderiam ser observados pela detecção gravitacional.

Na investigação do cosmo primordial, a perspectiva é nada menos do que recuar de quando o Universo possuía já 300 mil anos de existência para os primeiros infinitésimos de segundo após o Big Bang – isto é, “enxergar” o Universo no instante mesmo de seu nascimento.

O bê-á-bá do experimento

Para entender como a janela poderá ser aberta é preciso considerar o bê-á-bá da física envolvida nos experimentos. Assim como a interação eletromagnética, a interação gravitacional pode ser representada por meio de uma onda, que viaja no espaço com a velocidade da luz. E, como qualquer onda, a gravitacional também é descrita por grandezas como o “comprimento de onda” (a distância entre dois picos consecutivos) e a “amplitude” (a distância entre o pico e a linha média da onda).

“A peculiaridade é que a onda gravitacional é muito longa na direção longitudinal e incrivelmente pequena na direção transversal”, disse Aguiar. Vale dizer que ela possui um comprimento de onda muito grande e uma amplitude diminuta.

“Na frequência de 100 hertz (100 Hz ou 100 ciclos por segundo), seu comprimento de onda alcança 3 mil quilômetros. E como ela viaja na velocidade da luz (300 mil quilômetros por segundo) percorre essa distância, perfazendo um ciclo, em apenas um centésimo de segundo”, explicou o pesquisador.

“Sua amplitude, porém, é tão pequena que mesmo um ‘tsunami’ de ondas gravitacionais teria, transversalmente, uma cota menor do que o diâmetro de um próton”, disse Aguiar.

O efeito que a onda gravitacional produziria, no entanto, se dá justamente na direção transversal ao seu movimento. A suposição é a de que, ao atravessar um corpo maciço, ela provoque movimentos transversais nos átomos que o constituem, ao transferir parte de sua energia ao corpo.

“Como esses movimentos são muito pequenos, é um grande desafio perceber os efeitos da onda gravitacional. Na técnica das massas ressonantes (utilizada no ‘Mario Schenberg’), o objetivo é detectar o movimento oscilatório provocado na estrutura cristalina da esfera pela passagem da onda. Uma vez produzida a oscilação, esta poderia ser percebida por meio de um transdutor muito sensível”, explicou Aguiar.

“Na técnica alternativa da interferometria laser, como a do projeto norte-americano aLIGO, com o qual estamos colaborando, a suposição é a de que, ao passar, a onda produza um movimento oscilatório relativo nos espelhos, que poderia ser percebido por meio do fenômeno da interferência”, acrescentou.


Primeira detecção

Iniciado em 2007 e com conclusão prevista para este ano, o Projeto Temático “Nova física no espaço: ondas gravitacionais” dá continuidade a outro, de 2000 a 2007, que resultou na construção do detector Mario Schenberg. Os pesquisadores estão, agora, trabalhando no melhoramento da antena, buscando obter sensibilidades semelhantes às dos detectores já em operação em outros países.

“Os resultados obtidos até o momento foram melhorias de engenharia, como osciladores de ultrabaixo ruído de fase e outros. Paralelamente, estamos trabalhando no desenvolvimento de subsistemas de isolamento vibracional para o Advanced LIGO, uma contribuição nossa ao projeto norte-americano”, informou Aguiar.

Segundo o pesquisador, “ainda há muito chão a percorrer, no caso do detector brasileiro, antes que se consiga a primeira detecção de uma onda gravitacional”.

Já o detector norte-americano encontra-se em fase bem mais avançada. “O aLIGO beneficiou-se de uma verba 600 vezes maior do que a do Mario Schenberg. E, enquanto a equipe brasileira conta com cerca de 30 pesquisadores, muitos dos quais dão ao projeto uma contribuição puramente teórica, a equipe multinacional mobilizada pelo aLIGO chega a quase mil pequisadores”, disse Aguiar.

Por meio do aLIGO, que entrará em operação comissionada em 2014, a “astronomia gravitacional” talvez esteja prestes a se tornar uma disciplina efetiva, como as astronomias eletromagnéticas, capazes não apenas de detectar o sinal, mas também de identificar a “assinatura” impressa nele pela fonte emissora.

Com sensibilidade dez vezes maior em amplitude de onda do que a versão anterior (LIGO), quando o aLIGO estiver funcionando em “modo científico”, ou seja, com a sensibilidade projetada, ele poderá observar um volume da região local do Universo em torno da Terra mil vezes maior, aumentando, nesse mesmo fator, a taxa de ocorrência dos eventos. Um evento que levaria 50 anos para ser detectado pelo LIGO poderia ser detectado em menos de um mês pelo aLIGO.

“A contribuição que o detector Mario Schenberg poderá dar é na determinação da direção da onda (de onde ela vem) e da sua polarização (algo como o formato da onda no espaço), que diz muito sobre como as coisas estão ocorrendo na sua fonte emissora”, precisou Aguiar.

“Isso tudo utilizando uma técnica diferente daquela da interferometria, ou seja, baseando-se em outro princípio físico de detecção (o de absorção da energia da onda), que pode complementar o nosso conhecimento sobre as ondas gravitacionais”, disse.

Segundo Aguiar, há carência de estudantes para o desenvolvimento de trabalho experimental. “Precisamos do maior número possível deles para percorrer este caminho com maior rapidez”, disse – uma convocação que não poderá deixar de sensibilizar os jovens que sonham em associar suas trajetórias científicas ao desvendamento dos grandes mistérios do Universo. 

 

Agência Fapesp