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Relação entre escolas de samba e ditaduras é antiga, lembra historiador

Vitória da Beija-Flor com homenagem a regime ditatorial africano gerou polêmica

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A Beija-Flor é a campeã do carnaval carioca deste ano, com enredo em homenagem à cultura africana de Guiné Equatorial, comandada há 35 anos por Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, conhecido como um dos ditadores mais cruéis do mundo. Este teria contribuído com milhões de reais para o carnaval da agremiação, que perdeu apenas um décimo. Nas redes sociais, não demoraram a surgir "sugestões" para a escola para o ano que vem, como uma homenagem ao regime da Coreia do Norte ou ao Estado Islâmico. A escola brasileira, contudo, não é a primeira que teria se beneficiado de uma ligação com regimes assassinos. Sua iniciativa deve ser condenada, claro, mas, infelizmente, não foge ao movimento iniciado muitas décadas antes, destaca o historiador Daniel Aarão Reis Filho, em conversa com o JB por telefone.

"Eu não entendi direito o escândalo que está se fazendo em relação a esse patrocínio, porque a tradição das escolas de samba brasileiras de promiscuidade com regimes ditatoriais é muito grande, muito antiga", explica Aarão, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF). 

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Aarão resgata, por exemplo, que o Estado Novo, regime político fundado por Getúlio Vargas em 1937 que durou até 1945, que tinha o assassinato e a tortura como práticas comuns de sua polícia política, de certo modo patrocinou o início dessas escolas. "O Estado Novo torturava como política de Estado, e essas escolas surgiram a sombra dele", completa o professor. Durante a ditadura brasileira, também, várias escolas, incluindo a Beija-Flor, usaram seus enredos para louvar o regime, recebendo benefícios variados em troca.

"A Beija-Flor vencer hoje recebendo essa ajuda infame da Guiné Equatorial é lamentável, mas não lança nada de novo no horizonte. A Beija-Flor não está inaugurando nada, infelizmente", salientou Aarão, completando que muitos que podem agora reclamar já se viram envolvidos nesse tipo de promiscuidade, o que dificulta a sustentação de uma crítica consistente.

A rainha da bateria da escola, Raíssa Oliveira, em entrevista à TV logo após o anúncio da vitória, comentou: "Eu fiz parte disso. Eu e Eliane Lima trouxemos a ideia desse enredo. Nós somos culpadas pelo título". Ela já tinha negado romance com o ditador ou com seu filho, o vice-presidente, Teodoro Nguema Obiang, acusado de lavagem de capitais na França e de crimes financeiros nos Estados Unidos. O presidente da Beija-Flor, Farid Abraão David, admitiu ter recebido uma contribuição do governo da Guiné Equatorial, sem revelar o montante, e afirmou que a sua escola não entra em questões políticas.