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Os desafios do desemprego e pobreza a serem enfrentados pelo próximo governo

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Ela entrou no ônibus pela porta de trás, com um bebê de poucos meses enrolado ao seu corpo, carregava numa mão uma sacola infantil; na outra, uma caixa de barrinhas de cereal para vender. E repetindo a fala corriqueira dos ambulantes que vendem pequenezas nos transportes públicos das grandes cidades, enfatizou que não queria incomodar, mas precisava comprar leite para o seu filho e pedia que ajudássemos comprando-lhe as barrinhas.

A personagem ilustrada no parágrafo anterior é uma trabalhadora por conta própria, assim está classificada nas estatísticas oficiais de mercado de trabalho. O que sua condição nos mostra é que a pobreza e a exclusão social não estão associadas, apenas, ao desemprego, em particular o de longa duração. Há uma ampla evidência de que a falta de trabalho causa pobreza e consequentemente o trabalho é visto como o maior antídoto a ela, entretanto, estar no mercado de trabalho já não é garantia suficiente de uma vida decente para o trabalhador e sua família.

Cresce, em vários países, a pobreza entre as pessoas ocupadas. Esse fenômeno encontra suas principais causas numa combinação de fatores, tais como, o trabalho mal remunerado, a instabilidade no emprego, o regressivo sistema tributário, a fragilidade da representação sindical, a subocupação por insuficiência de horas trabalhadas e a ausência de creches públicas onde as mães possam deixar seus filhos para retornarem ao mercado de trabalho.

Em 2017, a pobreza alcançou 26% da população brasileira, se utilizada a linha internacional de pobreza do Banco Mundial de US$ 5,5 PPP (paridade do poder aquisitivo) ao dia – algo em torno de R$ 400,00 por mês – que leva em conta a renda média e o nível de desenvolvimento do país. Entre os trabalhadores, esse percentual chegou a 16%, ou seja, essa era a proporção de pessoas que, mesmo trabalhando, não tinham rendimento suficiente para ultrapassar a linha de pobreza. Este indicador é ainda mais dramático quando falamos de jovens trabalhadores ou de trabalhadores de cor preta ou parda, dentre os quais a privação é ainda mais intensa.

Sem nenhuma dúvida o primeiro passo em direção à erradicação da pobreza é a criação de mais e melhores empregos. As várias formas de relações de trabalho que fogem ao contrato tradicional, característico de mercados mais estruturados em setores mais produtivos e organizados da sociedade, figuram agora na nova CLT. Os contratos “on-call” ou “zero-hora”, no qual o trabalhador só recebe remuneração pelo período em que prestou o serviço e se prestou o serviço, apresentam graves problemas na organização laboral com forte impacto social na medida em que reduzem as contribuições previdenciárias e os direitos trabalhistas. Segundo o Ministério do Trabalho, em maio de 2018, 10% do emprego criado com carteira de trabalho, foi sob este tipo de contrato. 

A expansão do emprego sem carteira e do trabalho por conta própria, da ordem de 2,2 milhões de pessoas, entre 2015 e 2018, e a queda dos vínculos com carteira, em aproximadamente 3,4 milhões de trabalhadores no mesmo período, não parecem apontar para a melhora nas condições de trabalho e para a minimização do risco dos baixos salários.

A queda mais persistente das taxas de pobreza e extrema pobreza no país, entre 2004 e 2014, muito se deveu à melhora no mercado laboral, em termos de geração de postos, formalização dos vínculos e crescimento real do salário mínimo. Essas políticas, somadas aos programas federal e estadual de transferência de renda, foram imprescindíveis na busca por uma sociedade mais justa e igualitária.

Ao próximo governo caberá, mais uma vez, o enfrentamento do desemprego, em especial o de jovens, mas também o de mulheres responsáveis pelo domicílio, melhorando a estabilidade no emprego de forma a romper o ciclo “low-pay, no-pay” de trabalhadores que oscilam entre os baixos salários e o desemprego, se perpetuando na condição de pobreza.

* Doutora em Economia/UFRJ; professora da Universidade Candido Mendes; integrante do Conselho Regional de Economia (Corecon-RJ)