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Poder local, democracia participativa

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As sucessivas crises políticas recentes por que passa a cidade do Rio de janeiro nos obrigam a refletir sobre a necessidade de um novo projeto de governança municipal. A boa ou má gestão das cidades interfere diretamente na vida dos cidadãos. Por muito tempo ainda conviveremos com o clientelismo, práticas arraigadas ainda na nossa cultura política coronelista que confunde o público com o privado e utiliza o Estado como extensão dos desejos e vontades de quem o governa. Somente com o aumento do interesse dos cidadãos com a vida política de sua cidade é que este quadro se alterará. 

Mais cedo ou mais tarde há de se consolidar na consciência da população a importância das eleições pelo voto distrital, em que os compromissos são assumidos nos distritos, facilitando cobranças e pressões sobre os prefeitos e vereadores eleitos, o que alimentará a organização popular na luta por suas demandas coletivas.

Um dos legados da Constituição de 1988 foi o empoderamento parcial dos municípios, ao reconhecer, após 20 anos de ditadura, que era essencial à democracia desmontar o aparato verticalizado, centralizado e autoritário do Estado brasileiro. Além do conceito democrático que embasa a descentralização, é impossível para um poder central dar conta de resolver as necessidades de cerca de 4.500 municípios na década de 1980, hoje 5.570, ainda mais com as transformações nas nossas cidades, nos últimos 30 anos, em função da radical mudança demográfica ocorrida no país e que estão a exigir novas políticas sociais e urbanas inclusivas. 

Entretanto, a implementação de políticas justas e adequadas aos anseios da população exige vontade política, um governante bem intencionado e, afinal, recursos.

A repartição da renda pública nacional se dá com 58% para União, 24% para os estados e apenas 18% para os municípios. Essa divisão é chamada de Pacto Federativo e foi estabelecida pela Constituição de 1988. Se com uma das mãos ela deu poder aos municípios, com a outra, em função do insuficiente repasse de recursos, limitou sua capacidade efetiva de realizar os investimentos necessários a cada prefeitura. 

De 1988 para cá muita coisa mudou. Na saúde, os municípios gastavam cerca de 10% do PIB, enquanto hoje a média é de cerca de 25%. Na educação, eram responsáveis somente pelo ensino fundamental; agora educação infantil e creches fazem parte dos seus orçamentos. Os aportes não cresceram na mesma proporção. Todo esse quadro se agravou em função da crise econômica que reduz, pela inadimplência, os impostos municipais, como IPTU, ISS e ITBI.

Há, portanto, que se rever as bases do Pacto Federativo, de forma a se proteger o elo mais fraco dessa cadeia e mais exposto às exigências diretas da população. O que não se pode aceitar é que as demandas da sociedade não sejam atendidas por falta de recursos. 

Quando o orçamento é curto, a definição das prioridades de sua aplicação não deve se dar dentro dos gabinetes a portas fechadas, distante das necessidades e pleitos da sociedade. O orçamento participativo, não necessariamente com esse nome, não foi uma invenção recente de um partido político, mas uma prática de todos os governos de origem popular pré e pós 1964. 

Os governos municipais pertencem às comunidades e não ao capital privado, tampouco a qualquer grupo religioso. Quando os governantes conseguem envolver a população na solução dos problemas coletivos, é dado um passo importante na organização dos cidadãos, não só no encontro de respostas criativas de baixo custo aos problemas, mas principalmente em relação à tomada de posição sobre as questões fundamentais da cidade. 

Na verdade, é isso que contribui para o avanço da cidadania, caminho factível para construção do poder local popular que fará o sistema representativo de hoje evoluir para a democracia direta e participativa, em que não haverá mais lugar para o governante dissociado das aspirações consensuais da sociedade. 

* Arquiteto e urbanista