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Os nove derradeiros lixões do Estado do Rio

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Itaperuna, Varre-Sai, Bom Jesus de Itabapoana, Natividade, Porciúncula, Italva, Cambuci, São Fidélis e Resende. Municípios do Noroeste Fluminense, que conjugam rotina pacata do interior com enormes dificuldades financeiras, ficaram no fim da fila na gestão de resíduos no Estado do Rio. Exceção de Resende, no Vale do Paraíba, são os únicos que ainda mantêm oficialmente lixões a céu aberto utilizados pelas prefeituras, quatro anos depois de findo o prazo atribuído pela legislação federal para o encerramento dos depósitos de lixo desprovidos de tratamento adequado. O fato é que o segundo estado mais rico do país, que ensaia uma recuperação econômica ancorada na agenda do petróleo, ainda convive com nove lixões a céu aberto “oficiais”. Em pelo menos cinco deles, há cenas que remetem aos premiados documentários “Estamira” e “Lixo extraordinário”: catadores, expostos a toda sorte de contaminantes, separam os materiais recicláveis da massa fétida. 

Algumas leituras são possíveis. Dependendo do ponto de vista, o copo pode estar meio cheio ou meio vazio. Vamos primeiro ao copo meio cheio: há quatro anos, eram 20 lixões. O que nos leva a inferir: o Rio evoluiu, sim, na destinação final de resíduos. Mais em função, ressalta-se, da participação da iniciativa privada – o primeiro aterro sanitário, espaço adequado de tratamento de resíduos, surgiu há 15 anos, em Nova Iguaçu – do que propriamente por políticas públicas estruturantes. Quando houve escala e arranjos interessantes entre as cidades, o modelo avançou e aterros sanitários substituíram lixões. 

Vamos ao copo meio vazio: não cumprimos a Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 12.305/2010) e não será exatamente fácil encerrar esses derradeiros lixões. Por justamente estarem localizados em cidades em sua maioria pequenas e com poucos recursos financeiros. As oito do Noroeste ainda tentam uma saída numa parceria com o vizinho Estado de Minas Gerais. Resende... Bem, Resende é um caso (esquisitíssimo, aliás) à parte. A prefeitura conseguiu convencer o Ministério Público, acredite, de que manter o lixão aberto é um bom negócio. A justificativa é tétrica: fonte de renda para catadores. Resumo da história, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) está proibido pela Justiça de fechar o lixão. Em outra frente, a pura e simples aplicação de multas aos municípios já se mostrou medida tão eficiente quanto o poder de ressocialização do sistema carcerário brasileiro. As penalidades rolam por anos, ninguém as paga e no fim das contas a fatura fica pendurada para os munícipes. 

Num cenário em que prefeitos vendem o almoço para comprar o jantar, e as atenções estão voltadas para agendas mais urgentes, como a da segurança pública, a gestão de resíduos patina. Quem acompanha o setor há anos sabe que não se pode pensar em avanços duradouros sem que as fontes de recursos estejam estabelecidas. Você não leu errado: é preciso pagar pelo serviço. Assim como pagamos por luz, gás e água. O nome disso é taxa de lixo. Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) mostrou que os 184 municípios daquele estado gastam, por domicílio, de R$ 30 a R$ 40 de telefonia celular. Para garantir que 100% dos resíduos no estado fossem encaminhados a aterros sanitários adequados, cada família precisaria desembolsar de R$ 5 a R$ 10 por mês. Não parece tão absurdo assim. 

Enquanto isso, no Congresso, tramita o Projeto de Lei Complementar (PLP) 14/2015, que estica para 2024 o fim dos lixões. Empurrar o problema com a barriga é o que de mais eficiente nossos tomadores de decisão têm feito em matéria de saneamento. 

* Jornalista, mestre em Engenharia Ambiental e editor de conteúdo do Museu do Amanhã