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Ética ao sul do Equador

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Quem gosta de história e política brasileira vai apreciar a leitura de “Borboletas e lobisomens” (Hugo Studart, Francisco Alves, 658 páginas), uma obra de fôlego sobre os principais personagens da guerrilha do Araguaia, que ocorreu no início dos Anos 70 do século passado. Os comunistas que entraram em combate diziam integrar a Foguera (Forças Guerrilheiras do Araguaia). Foram 79 guerrilheiros. O Exército matou 59, vinte sobreviveram. Alguns deles estão vivos até hoje. 

Trata-se de um episódio muito pouco estudado e menos referido na política nacional. Os militares não gostam de falar sobre o assunto, e a direção do PCdoB até hoje não divulgou relato oficial sobre sua atuação naquela guerrilha, cujo objetivo era tomar o poder e instalar o socialismo no Brasil. Este é um retrato objetivo da ação dos comunistas, ligados à China, no território nacional. 

Mas isso passou. Pelo menos é o espírito da lei de anistia de 1979, assinada pelo presidente general João Figueiredo. Um lado e outro estariam condenados a esquecer o que aconteceu. Vai passar um bom tempo até que se cumpra esse propósito. Na verdade, ninguém esqueceu nada. Mas o regime democrático criado pela Constituição de 1988 produziu resultados surpreendentes. Os militares retornaram aos quartéis sem que um tiro fosse disparado. Dois presidentes foram apeados do poder e o país insiste em sobreviver embora o ambiente político esteja cada vez mais complicado. 

O PCdoB aprendeu com seus erros. Fora do governo não há solução. O partido tem candidato à Presidência da República. A simpática Manuela D’Ávila, gaúcha, cheia das palavras e dos adjetivos, professa as receitas clássicas do comunismo padrão. É muito garota para entender o que aconteceu no sul do Pará. O PT, que cresceu nos sindicatos da indústria de São Paulo, desfrutou do poder. Gostou. Agora os dois estudam uma possível união de esforços.

O pessoal do PCdo B, aquele da guerrilha, não aprecia a ideia. Prefere ficar mais perto do poder. O ministro Raul Jungmann, que foi da Defesa e agora é da Segurança Pública, só chegou lá porque o PCdoB concedeu total apoio ao governo Temer. 

Essa é a confusão que ninguém entende fora do Brasil. Afinal de contas, Michel Temer, ex-vice-presidente de Dilma Rousseff, foi o principal fiador do acordo entre PT e PMDB. Agora é tratado como golpista. Mas ele era aliado há três anos. Pior: PT e o MDB serão aliados em diversos estados brasileiros, como acontece em Alagoas. Outros exemplos são igualmente curiosos. O prefeito de Salvador, ACM Neto, depois de participar de café da manhã com o Centrão (formado por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade) saiu correndo, pegou um avião e foi celebrar com Geraldo Alckmin, em São Paulo. Era difícil antever líderes do DEM no palanque de Ciro Gomes. Aliás, o cearense nascido em São Paulo foi consagrado neste fim de semana como candidato por seu partido, o PDT. 

A tramitação do processo Lula e os mais recentes acontecimentos verificados em Curitiba e Porto Alegre na tentativa de libertar o ex-presidente a qualquer preço revelam algo mais profundo no Brasil. A convivência sem regras entre a política e o Judiciário, a absoluta falta de limite para ação dos candidatos demonstra que o país esqueceu o conceito de ética, no sentido de reconhecer o bem e o mal, segundo Aristóteles. E quando se rompe essa linha tênue, a sociedade fica exposta a uma possível solução de força. 

Ainda há chance. O espaço é pequeno, o prazo é curto. Várias candidaturas deverão sair de cena nas próximas semanas. Ficarão os verdadeiros postulantes. Isso, se a Justiça não soltar Lula na véspera da eleição. Não existe pecado ao sul do Equador. Tudo pode acontecer. Já aconteceu e os brasileiros fingiram que esqueceram. 

* Jornalista