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A degeneração da Bolsa de Valores em pura especulação

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As bolsas de valores foram invenções magníficas na origem do capitalismo. Juntavam aplicadores em ativos financeiros, de um lado, e investidores físicos, de outro. O sujeito tinha dinheiro sobrando, mas não queria fazer, ele próprio, investimentos produtivos. Ia para a bolsa. O outro queria fazer investimentos produtivos, correndo os riscos inerentes da atividade, e tomava os recursos disponibilizados pelo primeiro. Se o investimento produtivo desse certo, ambos ganhavam. Se desse errado, o aplicador em papel perdia, embora nem tudo, pois a empresa podia reerguer-se. 

Entretanto, no caso de grandes corridas bancárias, sendo os bancos intermediários da compra e venda de ações, a perda em papel pode ser aguda e, eventualmente, total. É o que aconteceu nas grandes crises do capital, desde a tulipomania na Holanda, no fim do século 17, até a recente quebra das bolsas, puxada pela de Nova York, em 2008. Entre as duas entrou um elemento novo: a extrema especulação financeira. Como diz o Papa Francisco, a adoração de Mamon, o deus dinheiro, que gera dinheiro em bolsas a partir de pura especulação.

Estamos nas bordas de um processo especulativo sem paralelo na História. Os ativos financeiros somam US$ 700 trilhões, enquanto os ativos físicos, medidos pelo PIB mundial, se limitam a US$ 70 trilhões. Essa imensa bolha começou a estourar a partir do mais especulativo dos ativos especulativos, as chamadas moedas virtuais copiadas da bitcoin, e dela própria. A bitcoin é uma não-moeda que gera dinheiro. Debaixo dela não tem nada, exceto a voracidade especulativa de alguns vigaristas que acharam que iriam ganhar imensas somas de dinheiro sem responsabilidade e sem pagar imposto. 

A febre da bitcoin se baseia no princípio das correntes e das pirâmides, vigarice bastante conhecida no mundo, desde pelo menos o início do século 20, nos Estados Unidos, com um sujeito chamado Ponzi. Os esquemas Ponzi foram combatidos pelas autoridades, mas a avidez de ganhar dinheiro a partir de dinheiro (D gerando D´, segundo Marx) contaminou muita gente.

O maior estouro de esquemas Ponzi de todos os tempos aconteceu sob a batuta do americano Bernie Madoff. Sua pirâmide rendeu bilhões de dólares. No bojo da crise financeira mundial iniciada em 2008, ele foi condenado à prisão nos Estados Unidos. Entretanto, Madoff era um primitivo em termos de tecnologia de informação. Foi depois que surgiram, paralelamente ao bitcoin, avalanches de esquemas Ponzi no mundo. 

O sistema, não fosse uma picaretagem Ponzi, parece magnífico. Você pode aplicar qualquer coisa, digamos, R$ 1. Os supercomputadores cuidam do resto. A valorização da aplicação em tempo real, sinalizada pela entrada no esquema de outros ingênuos, dá a impressão de uma fortíssima alta em tempo recorde. 

Contudo, animados pelo próprio sucesso, alguns dos milhares de iniciadores de esquemas bitcoins não se limitam à propaganda boca a boca. Desafiando governos e a polícia, anunciam moedas virtuais sem qualquer escrúpulo. Uma delas, chamada Ethereum, chega a atrair crianças para o jogo: são ensinadas a aplicar um dólar, aprendendo didaticamente como fazê-lo. É a aparente parafernália tecnológica que envolve a bitcoin que a torna supostamente invulnerável. Ela é apoiada, também, em ideologia, na medida em que os bilionários do Fórum Econômico de Davos não gostam de pagar impostos, e a bitcoin é uma forma de ganhar dinheiro sem pagar imposto. Não há nenhuma dificuldade em liquidar com criptomoedas. Basta o governo querer. 

Se estivéssemos diante de quebra de empresas produtivas, como as grandes construtoras nacionais quase liquidadas pela Lava Jato, eu teria escrúpulos em contribuir para a desmontagem desse esquema. Como estou diante de pura especulação, ou de homens e mulheres que se tornaram adoradores de Mamon, agradeço aos céus a oportunidade de ajudar a estourar esse pseudomercado apoiado em pura especulação.

Em 1983 e 1984, escrevi três livros denunciando escândalos financeiros da ditadura, esta já em seu final. Na maior parte eram fatos históricos, mas houve pelo menos um relativo a empresa em atividade, a Delfin. Eram inequívocas minhas provas de conluio entre a empresa e o governo. Mesmo assim lamentei pelos 3 mil empregos ameaçados e aderi à campanha pela absorção dos desempregados pela CEF. Agora, como se trata sobretudo de especuladores, terão de se virar, já que o governo não terá como bancar todos, aqui e lá fora. Em verdade vos digo: este é o fim da financeirização extrema da economia capitalista. 

* Economista, doutor em Engenharia de Produção