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Calma, Betty, calma!

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Reduzir o déficit público é, inegavelmente, tarefa prioritária. Não para o governo Temer, por suposto. O máximo que o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, conseguirá no tempo que lhe resta é conter a “farra fiscal” no Congresso. Vai sobrar para o governo que for eleito em outubro. 

Como se sabe, o déficit conduz à ampliação de uma dívida já elevada. Só uma parte pequena pode ser financiada com base monetária sobre a qual não incidem juros. O grosso do déficit nominal é coberto por ampliação do endividamento. Este vem crescendo continuamente nos anos recentes, levando a dívida bruta do governo geral a 77% do PIB no fim de maio. 

O problema não está apenas na dimensão e tendência de crescimento da dívida. O perfil do endividamento público, em termos de custo e prazos médios, não é dos melhores. Nada menos que 35% da dívida pública (inclusive operações compromissadas do BC) vencem em até um ano. A taxa média de juro é de 9% (implícita na dívida bruta do governo geral, acumulada em 12 meses até maio). 

Como enfrentar o problema? O quadro descrito brevemente nos parágrafos anteriores tem levado alguns economistas, inclusive assessores de candidatos à Presidência, a proclamar a necessidade de medidas fiscais drásticas no curto prazo para estancar o crescimento da dívida. Cálculos relativamente simples levam à conclusão de que para alcançar a estabilização da dívida como percentagem do PIB seria preciso adotar uma política fiscal draconiana a partir de 2019.

Factível? Não acredito. Por duas razões. Primeiro, o ajuste fiscal, seja por meio de corte de despesas, seja por meio de aumento de tributos, sempre atinge algum interesse constituído. Atacar muitos desses interesses ao mesmo tempo pode se revelar inviável para o novo governo. É verdade que o presidente eleito virá com a força das urnas. Mas enfrentará um Congresso fragmentado e problemático – para dizer o mínimo. 

Segundo, ainda que seja politicamente viável realizar um grande ajuste fiscal no curto prazo, há que se considerar a situação cíclica da economia brasileira. Depois de uma recessão profunda em 2015-16, a economia ficou praticamente estagnada em 2017-18. O desemprego está em nível elevadíssimo. Como imaginar que a economia suportaria um ajuste fiscal draconiano? Ao cortar demanda diretamente (por meio de diminuição de gastos governamentais) ou indiretamente (por meio de diminuição da renda disponível do setor privado), a política fiscal acabaria derrubando ainda mais os níveis de atividade e de emprego. E quanto maior a queda da atividade econômica, mais difícil seria assegurar o equilíbrio das contas públicas. 

Diante dessas dificuldades, não falta economista para vaticinar o “colapso das contas públicas” e o “caos econômico”. Calma, Betty, calma! O diabo talvez não seja tão feio quanto se pinte. 

Convém examinar os dados com cuidado. Não se deve perder de vista que a dívida líquida do setor público é muito menor do que a bruta. Em maio, alcançava 51% do PIB. O crescimento da dívida bruta reflete, em grande medida, a acumulação de ativos pelo setor público, sobretudo reservas internacionais e créditos junto ao BNDES.

Outro ponto importante: a dívida pública é preponderantemente interna (95% do total). O grosso das obrigações é denominado em moeda nacional e está nas mãos de residentes. Apenas 6% da dívida bruta têm a taxa de câmbio como indexador. Os investidores externos (não-residentes) detêm apenas 12% da dívida federal interna. A base de investidores é mais estável do que, por exemplo, na Argentina, onde grande parte da dívida foi comprada por estrangeiros. 

Em resumo, a situação fiscal, embora grave, não é inadministrável. O Estado não está à beira da falência, como se afirma às vezes. Isso permite um ajuste fiscal gradual, consistente com a retomada do crescimento econômico. A dívida continuaria crescendo no curto e médio prazos como proporção do PIB. Mas se o novo governo for capaz de iniciar a implementação de um programa sólido de médio prazo, ancorado em regras críveis de ajustamento, não há motivo para apostar em colapso ou caos. 

* O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países