ASSINE
search button

Diversidade, inclusão e o segredo de Monet

Compartilhar

A diversidade humana tem se desvelado e arrebatado os tempos atuais com potência jamais vista. As múltiplas transformações e a velocidade com a qual se propagam compõem um mosaico de significados e tensões nem sempre fácil de acompanhar. Diferenças étnicas, sociais e a flexibilidade cada vez mais ampla de sexualidades e gêneros nos desafiam a conviver com um mundo novo e intrigante. E ao lado de toda riqueza simbólica que nossa era proporciona, uma enxurrada de interpretações equivocadas avança, atropelando sutilezas e alimentando preconceitos diante do que não se conhece plenamente. 

E o que dizer da diversidade cultural na contemporaneidade? Se do ponto de vista antropológico trata-se de inestimável patrimônio da humanidade, sob as óticas da política e economia, constitui enorme desafio a ser enfrentado, uma vez que a diversidade se torna, também, raiz de múltiplos conflitos. E assim, em meio a tanta pluralidade, somos conclamados a encontrar formas de convívio respeitosas, que enfoquem a diferença como possibilidade, e não limitação, e, principalmente, que criem ferramentas para superar as desigualdades. 

Nessa direção, ações supranacionais têm visado assegurar o respeito a todas as identidades culturais, como a “Declaração Universal da Diversidade Cultural”, adotada pela Unesco, em 2011, após os atentados em Nova York. Na busca da construção de uma sociedade mais inclusiva, passos importantes foram dados, como a “Declaração de Salamanca”, em 1994, resultado da Conferência Mundial de Educação Especial – evento que congregou organizações internacionais de mais de 80 países em torno do debate sobre a inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência ou necessidade especial nas escolas.

Destaca-se, também, a ideia de uma educação transdisciplinar, na qual, além da migração de conceitos entre disciplinas, estimula-se uma atitude de construir conhecimento a partir de variados olhares e perspectivas teóricas. Mas fato é que, ainda hoje, apesar do esforço isolado de pais e professores, milhares continuam a ser discriminados nos sistemas educacionais e alijados do mercado de trabalho. Na prática, vivemos realidade discriminatória. Não usufruímos de políticas de Estado na área de diversidade e inclusão. Em alguns casos, políticas de governo, o que implica em programas que dependem da alternância de poder. E neste cenário no qual a diversidade é tão impositiva quanto rechaçada, não raro, nos deparamos com a ideia de que deveríamos tolerar as diferenças. 

Apesar de soar bem intencionado, é preciso ir além do discurso da tolerância. Tolerar é aceitar “apesar de”. Incluir é aceitar incondicionalmente. As diferenças não devem ser toleradas, devem, antes de tudo, ser compreendidas, já que são determinadas por contextos específicos e se transformam. É assim na Arte ou na vida. O que pode riam nos dizer, hoje, as telas de Claude Monet? Flores raras, figuras humanas, folhagens, céu ou água. Elementos que se fundem entre si, compondo paisagens cativantes de cor e luz. Imagens que costumamos associar ao belo e lirismo. Como explicar, então, a espantosa hostilidade com que as obras impressionistas foram recebidas, por público e crítica, durante as primeiras exposições? Por mais surpreendente que possa nos parecer, muitos insultos e piadas agressivas foram dirigidas aos pioneiros do Impressionismo. 

A ausência de contornos nítidos e o grau, inusitado, de abstração das pinturas, causaram impacto negativo. Diante daquilo que não conseguiam conter entre bordas nítidas, uma explosão de fúria e insensatez. Assim como vemos pulular interpretações radicais sobre os supostos limites entre países, gêneros ou campos do conhecimento. Longo tempo se passou até chegar o dia em que os lagos de Monet se tornaram plácidos e admirados quase unanimemente. 

Um dos segredos que escapa de suas telas é que não nos apressemos em delimitar ou erigir falsos contornos e fronteiras. Que saibamos enxergar a beleza e delicadeza do que nos parece difuso à primeira mirada. Um pouco de serenidade e vontade de compreender nos farão ver o novo com nitidez. Basta que sejamos capazes de lançar um pouco da luz de Monet sobre o mundo de hoje.

* Artista profissional, mestre em teatro e doutora em Ciências