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Mais uma atitude impopular e autoritária

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No dia 06 de julho, aproveitando o quase feriado, o governo federal editou medida provisória que modifica a Lei. 11.445/2007 que regulamenta a prestação de serviços de saneamento. A Lei 11.445/2007 representa anos de debate democrático para construção de um marco legal orientador da prestação dos serviços de saneamento básico. Ela passou por ampla discussão entre os atores do setor, debate no Congresso e no Senado, onde recebeu um conjunto expressivo de emendas, teve sua aprovação referendada pelo Conselho Nacional das Cidades, órgão nacional de controle social da política pública de saneamento básico. 

A edição de uma medida provisória, no fim de um governo extremamente impopular, representa mais um abuso de poder da gestão Temer, que em junho de 2017, através do decreto 9.076/2017, interrompeu o ciclo de Conferências das Cidades e desestruturou o funcionamento do conselho. 

Uma medida provisória (MP) é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República em casos de relevância e urgência. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei. Se não for aprovada no prazo de 45 dias, contados da sua publicação, a MP tranca a pauta de votações da Casa em que se encontrar (Câmara ou Senado) até que seja votada.

Fica a pergunta: qual a urgência de modificar o marco regulatório do saneamento básico no fim do governo? Evidentemente o interesse não é promover a universalização dos serviços. Se fosse, poderia ter sido criado um amplo programa de capacitação técnica dos prestadores públicos, que atendem 90% da população; ser estimulado o planejamento e ampliados os investimentos no setor, com impactos na saúde da população, na qualidade do meio ambiente e na geração de empregos, como indica o Plano Nacional de Saneamento, aprovado em 2013.

A MP ataca a autonomia dos municípios, garantida pela Constituição de 1988, e a gestão associada de serviços públicos, que estabelece que os municípios e estados podem se associar para a prestação de serviços de saneamento, através de contratos de programa, sem que haja necessidade de licitação. Em seu artigo 10A, a MP traz a obrigatoriedade de chamamento público de antes do contrato programa. O chamamento público pode obrigar o município a conceder à empresa privada a prestação dos serviços, ferindo o seu direito de optar pela prestação desses serviços por órgãos ou entidades públicas. Tanto a representação das Companhias Estaduais de Saneamento quanto a dos Serviços Autônomos Municipais se manifestaram de forma contrária à MP, o que pode levar a ações judiciais contra a medida, levando a incertezas e paralisação nos investimentos. 

O objetivo da MP é evidente: favorecer as empresas privadas de saneamento. Não está claro que essa seja a melhor opção para o país. As empresas privadas têm interesse em áreas que garantem o retorno do investimento. O déficit de saneamento está concentrado na população mais pobre das periferias urbanas e nas áreas rurais, onde obviamente o setor privado não tem interesse em investir. Como garantir o acesso dessa população a esse serviço essencial? Quais as propostas efetivas do governo para atender a população que ainda não tem acesso aos serviços, assegurando os recursos necessários para o desenvolvimento da área de saneamento básico? Como garantir no Brasil o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário, assegurado pela ONU? Quando esse direito será incorporado à Constituição? Essas questões não são preocupações do governo Temer, mas devem estar na pauta dos candidatos às eleições presidenciais de 2018.

No momento temos a MP do governo Temer; ela compromete um aprimoramento da prestação de serviços de saneamento que valorize os prestadores públicos, majoritários no país, que atenda a população mais vulnerável e que fortaleça o planejamento e o controle social, caminhos necessários para a universalização do acesso ao saneamento. 

* Professora do Programa de Pós Graduação em Urbanismo da UFRJ