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As fraudes nas universidades federais

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O Brasil avança, positivamente, para consolidar seu processo de inclusão social por meio da Educação Superior para públicos específicos, pois nossas universidades federais passaram por grandes mudanças nos últimos 15 anos, iniciadas, principalmente, nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006; 2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). 

Nesse aspecto, contribuíram por opções políticas governamentais, como a expansão e interiorização da oferta de vagas e da malha educativa, como a feitura do Projeto Campus 2000, por exemplo, com mudanças significativas trazidas pelo programa Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). 

Paralelamente, efetivou-se uma expansão da Rede de Educação Profissional e Tecnológica (RFEPCT), através da criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET). No ano de 2003 havia 45 universidades federais. Em 2016, elas totalizavam 63, ou seja, 18 novas unidades foram criadas no período. 

No tocante ao número de matrículas nessas instituições, incluindo vagas para alunos novos, transferências, Educação à Distância (EaD), em 2003 tínhamos 567,1 mil alunos e alunas matriculados. Em 2016, ultrapassamos as 1.083.050 matrículas. 

Nesse contexto, teve contribuição decisiva a aprovação da Lei Federal nº 12.711/2012, tornando obrigatória a reserva de vagas para pretos, pardos, indígenas, alunos de escola pública e de baixa renda nas instituições federais de ensino superior e técnico, em 2012. Essa lei possibilitou a geração de 67.123 vagas destinadas a esses públicos específicos, conforme dados do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). 

No entanto, para manter a dignidade, a efetividade e a lisura dos processos seletivos por meio das cotas raciais, é necessário um pulso, também, firme contra as fraudes nesses processos, já que pelo menos até 2024 o Brasil não voltará atrás nas opções políticas feitas para beneficiar parcelas que antes não tinham tais focos nos governos anteriores.

Vale ressaltar que a primeira oportunidade nessa linha fora o Decreto nº 85.810, que data de 1969, promulgando a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial. Mais, além do papel e das intenções, nada de concreto fora produzido. Portanto, hoje, é tarefa cidadã e humanitária combater as fraudes nas cotas raciais das universidades públicas. Tarefa que é de todas e todos. Isso porque cresce o número de denúncias de suspeitas de fraudes nas autodeclaração de pertencimento étnico em várias universidades. 

Em 2018, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) registrou 239 ocorrências, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) foram 236 casos e na Universidade Federal de Viçosa, 48. Já na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram 219 casos de suspeitas de fraudes raciais, entre 2017 e 2018, sendo que destas 17 alunos se desligaram por pressão política interna, 34 estão sob processo administrativo e 25 aguardam a instalação de comissão processante. 

Seguindo exemplos de outras 18 instituições federais que também criaram comissões de averiguação étnica, a UFMG criou, por meio da Portaria nº 118/2018, a Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão Social, que pretende, entre outras funções, encaminhar programas de bolsas e de atendimento às vítimas de violação de direitos humanos e fazer a triagem dos beneficiários das políticas de ações afirmativas na universidade.

Ou seja, sem a utilização das comissões de averiguação étnica em processos seletivos – acadêmicos e de concursos públicos –, fica praticamente inviabilizada a ação afirmativa como ferramenta de inclusão social dos negros que sofrem racismo e preconceito racial na sociedade, uma vez que somente o critério da heterodeclaração não traz à luz, com inequívoca certeza, o destinatário das cotas raciais. Isso porque o racismo no Brasil é, basicamente, de matriz fenotípica. Contrariamente é óbvio que uma comissão de averiguação não vai dizer quem é negro e quem não é. 

A comissão irá simplesmente apontar para a banca examinadora quem são, do ponto de vista fenotípico, aqueles candidatos e candidatas aptos para continuar no processo de seleção a partir da luta contra o racismo. E isso nossa literatura e jurisprudência já têm uma boa estrada para saber quem são as vítimas do preconceito racial ao longo da saga brasileira.

* Presidente da União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro) em Minas Gerais