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Militares trocam armas por urnas

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Os caminhos da política e do jogo eleitoral com vistas às próximas eleições indicam o surgimento de um novo e inquietador fenômeno na política brasileira: o grupo da farda. Depois da devastadora experiência da ditadura, que durou 20 anos, os militares ressurgem na cena nacional com um grande apetite de poder. Transitaram da ditadura para a redemocratização com a marca indelével da tortura e de violências contra os direitos humanos. Desta vez posicionam-se para chegar ao poder não mais pela via das armas, mas das urnas, entrando em massa na atividade politica, até aqui predominantemente destinada aos civis. Lugar de militar era na caserna, de onde conspiravam para chegar ao poder.

Eles se apresentam como candidatos na esteira da Operação Lava Jato, que criminalizou a política e os políticos de forma indiscriminada, e de uma crise econômica e social sem precedentes na história do país. Enojado com as velhas lideranças oligárquicas e corruptas que se perpetuam no poder, o eleitor quer mudanças e renovação. Os militares buscam um lugar neste espaço com a surrada bandeira de salvadores da pátria. O objetivo do grupo é eleger uma frente parlamentar conservadora, a bancada “da lei e da ordem”. 

Segundo estudos e pesquisas divulgadas por jornais e revistas, cerca de cem militares da reserva das Forças Armadas, entre eles oito generais, deverão concorrer a um cargo nas próximas eleições. Para o general da reserva Antônio Hamilton Martins Mourão “existe uma demanda, e o pessoal resolveu participar. Até porque se a gente quer mudar, só tem duas maneiras: ou é debaixo de pau ou é fazendo o jogo”. Mourão é aquele mesmo oficial que ameaçou o país com uma intervenção das Forças Armadas.

Decidiram partir para o jogo. Os quartéis estão agitados. São generais, majores e capitães que se organizam para disputar as eleições majoritárias e proporcionais em outubro. Três deles são pré-candidatos aos governos do Distrito Federal, Ceará e Rio Grande do Norte. Todos filiados ao PSL do ex-capitão Jair Bolsonaro, o líder da turma, com sua pregação intolerante, racista e homofóbica, de cunho fascista. 

O ambiente favorável às bruxas contaminou delegados da Polícia Federal, policiais militares, policiais civis e até inspetores da Polícia Rodoviária Federal, numa invasão militar jamais vista na história. Calcula-se que mais de 400 candidatos pretendem trocar a farda pela política. Fraco e sem nenhum apoio popular, o presidente Temer tornou-se o grande responsável por essa invasão fardada, ao militarizar seu governo. Fez a fracassada intervenção no Rio, colocou oficiais em postos estratégicos e devolveu o ministério da Defesa a um general, depois de 20 anos de ocupação por um civil.

Nesse clima despolitizado, de desemprego, amargura e rancor, em que a segurança pública terá grande destaque, a população se encaminha para as eleições. Com o perigoso risco para as instituições de ter, no futuro Congresso, uma poderosa bancada da farda. Que vai se somar às bancadas religiosa, dominada pelos evangélicos; a de celebridades, de pessoas com grande exposição na mídia, reforçando, assim, a munição da já existente bancada da bala. Em sua maioria são policiais sem nenhuma tradição politica, formados na ordem unida do quartel e despreparados para compreender os complexos problemas brasileiros.

Estamos diante de uma situação em que a realidade supera a ficção. Os personagens em cena dessa tragédia brasileira são os mesmos de sempre, agora transformados em espectros que novamente põem em risco a democracia. Por trás deles, visíveis para os espectadores, passa o filme dos assassinatos, da corrupção, da miséria social e da ganância politica. Temas que serão usados pelos falsos atores como apelos para ganhar votos em suas campanhas.

Atuando em outra frente, mas com o mesmo objetivo, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, abriu uma agenda para receber em seu gabinete todos os pré-candidatos à Presidência da República. Nas últimas semanas, já conversou com nove deles, a pretexto me defender a inclusão de projetos de interesse da instituição em seus programas de governo. 

Na vigência de um regime democrático e em meio a um conturbado processo eleitoral, a intervenção do comandante deixa claro que se trata de um ato de pressão e interferência no pleito de outubro, com os riscos inerentes de politização das Forças Armadas, que o país já conhece. 

Foram 20 anos de ditadura e terrorismo de Estado, com direito a Casas da Morte, assassinatos e desaparecimento de presos. Em seu relatório final, a Comissão Nacional da Verdade aponta que “a prática de graves violações desenvolveu-se de forma planejada e sistemática, constituindo um padrão do comportamento então adotado pelas Forças Armadas”. Até hoje o país espera o reconhecimento dessas transgressões e um pedido de desculpas do comandante do Exercito. Oportuno, neste momento, em que os militares trocam as armas pelas urnas.

* Jornalista e escritor