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Um governo que fez escola

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O desastre completo do Governo do Estado do Rio de Janeiro, tanto político como administrativo, tornou-se emudecedor, a ponto de não haver concretamente alguém a dizer alguma coisa sobre o que fazer desse monstro entorpecido.

Enquanto isso, o governador, constrangido, discute como atender a requisitos para normalizar suas contas com um governo federal ilegítimo e antinacional, que destrói bases políticas, econômicas e administrativas acumuladas durante décadas de história do Brasil. Convém lembrar que a arbitrária liquidação do Banerj, que foi o primeiro passo para inviabilizar soluções financeiras inovativas no âmbito do estado, teve o aval de Moreira Franco, do governo Sarney e de seus associados.

Ademais, nunca esteve tão clara a desorientação e subordinação do Poder Judiciário à sua própria pauta de soluções constrangedoras para a democracia, tão pontuais quanto equivocadas. Com suas vaidades e interesses revelados, não se envergonham de retirar do cenário eleitoral o candidato mais popular do país e de rejeitarem a impressão do voto, apesar dos achados da Comissão de Peritos Criminais Nacionais demostrarem que nossa urna eletrônica é, sim, violável.

Nesse descalabro geral estamos já cansados de ouvir: “Que falta faz o Brizola”! Mas se a presença de Brizola é, hoje, mais reclamada por sua autoridade moral e política, menos se fala do papel educativo que exerceu para apontar o rumo das administrações de governo na redemocratização do país. Ou seja, considero que os governos de Brizola no Rio de Janeiro foram uma original “Escola de Governo” – popular e democrático.

Impressionante seria se listássemos o que Brizola fez, paralelamente, à área educacional, à qual toda a população foi testemunha de seu compromisso nas eleições de 1982. “A educação pública é da natureza do trabalhismo”. Não é fácil, pois, desmentir que o governo Brizola “só fez escola”.

Quem, no Rio de Janeiro, não vibrou quando viu helicópteros transportanto caixas d’água para as favelas – para colocá-las no topo dos morros? Ações como essa, além do programa de controle de doenças, particularmente a paulada que demos no sarampo, e o envolvimento comunitário nas ações e outras medidas permitiram diminuir a mortalidade infantil em 25% em três anos, quando pela primeira vez subia no Brasil.

No início de 1984, organizei um grupo de trabalho para traçar um programa de “Verão” para a Secretaria de Saúde, em virtude do deslocamento de dois milhões de habitantes para a Região dos Lagos e suas consequências para a saúde. Levei-o a ele, incluindo o projeto para quatro ambulâncias com capacidade de funcionar como teatro cirúrgico de emergência e um helicóptero de resgate (anos antes de qualquer empresa privada ou pública de saúde no Brasil). Ele examinou e disse “quatro, não, Eduardo! Porque não 60?”. Revolucionamos, assim, o atendimento público, a partir daquela nossa boa memória trabalhista atualizada do que era o Samdu, público e universal!

Numa manhã, me chamou cedo pelo telefone vermelho, porque vira na capa do JB e de “O Globo”, uma nota pequena que noticiava que o secretário de Saúde havia assinado uma portaria que proibia a comercialização de sangue no estado. Para fortalecê-la, encaminhou pela liderança do PDT um projeto de lei que referendava a portaria. Como ele dizia, era um bom exemplo do processo civilizatório que o Brasil precisava. Depois, virou lei federal.

Entre tantas memórias, uma bem interessante foi a que ocorreu no dia em que Tancredo, Ulisses, Montoro e muitos vieram para um jantar com o governador, no Rio, para selar entendimentos sobre as eleições indiretas, já que as “Diretas, já” não tinham passado.  Nessa ocasião, tentava atracar no porto um navio para desembarcar toneladas do gás de Bhopal (produto da Dow Chemical causador de desastre na cidade indiana com esse nome). Disse que não autorizasse, com o que ele concordou. Esse navio tentaria, depois, descarregar a carga em São Paulo, mas Montoro repetiu a medida de Brizola. Acabou voltando para os Estados Unidos, sua origem, onde a população impediu que desembarcasse lá também.

O resultado final da gestão econômica do segundo governo Brizola parece ter passado desapercebido a quem não queria ver. Para tanto articulamos para reativar as compras da Petrobras nos estaleiros do estado e exercemos pressão política para que derivasse o gás da Bacia de Campos para as indústrias fluminenses. O programa “Rio Paraíso” da micro e pequena empresa abria as necessidades de grandes empresas estatais para que as iniciativas tecnológicas e pequenos produtores resolvessem seus problemas no estado, em vez de comprar em licitações internacionais. Tudo ao contrário das receitas neoliberais que prevaleceram depois de Brizola.

O governo, acusado pelos “modernos” de jurássico, pois lutou contra as patentes de alimentos e medicamentos no formato proposto pelos governos Collor-FHC, cresceu seu PIB no quinquênio 91/95 a uma taxa de 5%, enquanto São Paulo e o país, como um todo, cresceram 2,5%.

Como não registrar que as obras públicas não produziam os escândalos e atrasos conhecidos? A exemplo, a Passarela do Samba e a Linha Vermelha, realizadas em tempo recorde. Para tudo isso, Brizola soube escolher seus vices: Darcy Ribeiro e Nilo Batista. O que aprendemos está hoje disperso por aí, todos os partidos quiseram absorver quadros do PDT que foram picados pela “mosca azul” ou que dissentiram, e isso foi facilitado após sua morte, pela desorientação do partido que nos legou.

* Ex-secretário de Saúde do governo Leonel Brizola (em homenagem aos 14 anos da morte de Brizola, em 21 de junho de 2004)