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Os caminhoneiros e os impostos

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A greve dos caminhoneiros nos traz muitos elementos de reflexão. Primeiro, se é greve ou locaute; o caráter político conservador ou progressista do movimento; os exemplos anteriores no Brasil e o célebre caso do Chile. O mais gritante é em relação aos impostos. 

Desde o governo de Getúlio Vargas, decorrente da Revolução de 1930, que os setores vitais da economia, como petróleo e seus derivados – mineração, energia elétrica e telecomunicações –, seriam tributados pelo governo federal, em tributação única, afastando estados e municípios de qualquer cobrança. Assim, esses setores estratégicos da economia teriam impostos únicos, sem qualquer outra tributação. 

A ideia era afastar esses setores estratégicos de quaisquer outros ônus fiscais, protegê-los, de um lado, e de outro, prover recursos para o desenvolvimento de ampla infraestrutura para servir de base da economia nacional. Assim, o imposto único sobre combustíveis proveria os recursos para a construção de estradas e pesquisas na área de petróleo; o imposto único sobre energia elétrica, para a construção das hidrelétricas; sobre mineração, para a pesquisa e extração de minérios; sobre telecomunicações, para construção e expansão da telefonia; e as obrigações sobre siderurgia, para a construção das grandes siderúrgicas. 

A concepção desse esquema de impostos únicos foi elaborada a partir da famosa assessoria econômica do presidente Getúlio Vargas, composta por Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, San Thiago Dantas, dentre outros. Foi seguida pelos presidentes Juscelino Kubsticheck, João Goulart e pelos governos militares. Tinha conteúdo nacionalista forte, de visão do desenvolvimento nacional de forma independente e soberana. 

Na Assembleia Nacional Constituinte, grupo de economistas liderados por José Serra, Delfim Neto, Roberto Campos e outros apresentaram projeto sobre o sistema tributário nacional em que excluíam os impostos únicos. O relator foi Fernando Bezerra Coelho. Todos, de uma forma ou de outra, sofrendo processos na Lava Jato. Acabando com os impostos únicos, os estados passariam a cobrar ICM sobre essas atividades estratégicas, essenciais. E o governo federal passou a cobrar as contribuições como Cofins, PIS, Cide. O argumento deles era que os deputados ganhariam mais poder, pois passariam a ditar os recursos orçamentários para construção de hidrelétricas, telefonia, estradas etc., pois essas atividades não mais teriam os recursos diretos do tesouro via impostos únicos. 

Pura balela.

Nas discussões do orçamento, os deputados estão preocupados com pontes, hospitais, escolas, estradinhas locais etc. Não é o momento de discussão de projetos estratégicos de importância para a vida da nação. Assim, o Brasil perdeu recursos fundamentais para o seu desenvolvimento.

O primeiro objetivo que tinham em vista, que não foi observado na época, nem por mim, embora eu tenha lutado contra, foram as privatizações. Sem recursos para os investimentos necessários, as empresas de telefonia começaram a falhar, as de energia elétrica idem, as estradas passaram a ficar esburacadas. A solução imediata proposta foram as privatizações, pois o Estado não dispunha de recursos. Assim, as empreiteiras passaram a cobrar pedágio por estradas que não construíram, apenas montaram as caixas registradoras. E as siderúrgicas, as empresas de energia elétrica e de telefonia foram praticamente doadas em troca de moedas podres. 

De outro lado, os estados, em seus apertos financeiros, deitaram a mão nas contas telefônicas, de energia elétrica e nos postos de gasolina, com alíquotas pesadas de ICM, encarecendo essas contas, onerando as famílias e a economia. E o governo federal, com os mesmos apertos financeiros, deitou mão nas contribuições. 

A luta dos caminhoneiros, hoje, é o reflexo mais dramático desse tremendo erro da Constituição brasileira. Aliás, se comentava, na época, que o texto sobre o Sistema Tributário Nacional foi elaborado por escritório de advocacia tributária de São Paulo, que servia às empresas multinacionais.

O ônus financeiro para os caminhoneiros nos postos e para as famílias em suas contas é enorme. E a nação ficou sem recursos para financiar sua infraestrutura.

* Ex-deputado federal Constituinte