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Trapalhadas do Banco Central

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O que não faz um presidente inepto do Banco Central? Ilan Goldfajn conta com mais de US$ 380 bilhões de reservas internacionais em caixa (herdadas do período Lula/Dilma). A posição de balanço de pagamentos do país é sólida. Antes do início da turbulência no mercado, o estoque de swaps cambiais era de apenas US$ 24 bilhões. Mesmo assim, com todos esses trunfos na mão, o sujeito conseguiu se atrapalhar. No primeiro teste, meteu os pés pelas mãos. 

Primeira trapalhada: diante de uma onda especulativa no mercado cambial, alimentada pela alta dos juros nos EUA, o BC permaneceu inerte. Demorou várias semanas a agir, permitindo que a situação começasse a ser vista como pior do que realmente é. Com o real em queda livre, o Brasil corria o risco de ser equiparado a países em posição mais frágil, como Argentina e Turquia. A timidez do BC criou terreno fértil para apostas unidirecionais no mercado, contribuindo para enfraquecer a moeda nacional. 

Segunda trapalhada: a decisão do Copom de manter a taxa básica de juros em 6,5%, contrariando a expectativa de que haveria um corte de 0,25 ponto percentual. Ocorre que tal expectativa havia sido alimentada pelo próprio presidente do BC. Poucos dias antes da reunião do Copom, ele sinalizou que a taxa seria cortada. Como disse um ex-diretor do BC, Luis Eduardo Assis, foi como dar seta à esquerda e virar à direita. 

A comunicação atabalhoada do BC jogou lenha na fogueira, agravando a instabilidade e adicionando incerteza. Instalou-se a dúvida: Goldfajn sabe o que está fazendo? O que houve, provavelmente, foi um princípio de pânico no BC com a forte pressão no mercado cambial. Resolveu-se, então, dar uma demonstração de “prudência”, mantendo os juros em 6,5%. 

O pior é que havia razões de sobra para que a taxa fosse reduzida. A inflação está abaixo do esperado. Os chamados núcleos inflacionários estão bem-comportados. As expectativas de inflação para 2018 e 2019 vinham retrocedendo. Além disso, o nível de atividade da economia patina desde o início do ano. Acumulam-se indicações de que a modesta recuperação iniciada no ano passado está arrefecendo em 2018, correndo até o risco de ser interrompida. 

Há alguma razão para temer que a recente depreciação cambial vá modificar o cenário para a inflação, justificando a decisão de não diminuir os juros? Não parece plausível. Algum impacto inflacionário sempre ocorre, uma vez que a depreciação tende a elevar os preços em reais dos bens e serviços importados e dos exportáveis. Mas o efeito dificilmente será expressivo. A economia está muito desaquecida e apresenta elevada capacidade ociosa. As expectativas de inflação estão “ancoradas”. Nesse ambiente, o coeficiente de repasse de câmbio para preços tende a ser baixo. A menos que a depreciação venha a ser muito maior e duradoura, o impacto inflacionário do câmbio será administrável. 

Na verdade, a depreciação cambial, desde que não fuja do controle, é bem-vinda. Nas últimas décadas, a economia tem sofrido consideravelmente com períodos de prolongada apreciação cambial. Com a alta dos preços e salários em dólar, as exportações perderam rentabilidade e competitividade. O mesmo aconteceu com os setores que concorrem com importações de bens e serviços no mercado interno. A economia perdeu dinamismo e ficou exposta ao desequilíbrio externo a crises cambiais recorrentes. 

A recente depreciação favorece a renda e a capacidade de competir dos setores que exportam e dos que competem com importações, ajudando a recuperação do nível de atividade e de emprego. Ao fortalecer a competitividade internacional da economia, ela impede que uma recuperação mais significativa da atividade econômica provoque déficit perigoso no balanço de pagamentos em conta corrente. Além disso, o impacto da depreciação sobre as finanças públicas é favorável, uma vez que o setor público é credor líquido em moeda estrangeira. O tumulto das últimas semanas deixa um legado negativo. Os especuladores sentiram o pulso do presidente do BC. E perceberam que ele não é de nada. 

* Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países