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Geração em risco

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Exigências familiares somadas a um mundo cada vez mais competitivo, consumista, em detrimento de uma valorização do ser, de seus conteúdos humanos e emocionais têm contribuído para que os jovens se tornem mais pressionados e ressentidos. Esses jovens se sentem derrotados, caso não alcancem o padrão estabelecido pela sociedade.

O sociólogo Zygmunt Bauman dizia que, na nossa época, o único produto perene é o lixo, pois os produtos já se tornam obsoletos, envelhecidos, no exato instante em que são fabricados. Necessitamos sempre do mais recente modelo de celular, do último automóvel lançado, das novas roupas que acabaram de chegar às vitrines. As crianças são doutrinadas pela babá eletrônica que fez doutorado em vendas na Universidade de Harvard, isto é, os comerciais de televisão. 

É curioso lembrar que há muito tempo estabeleceu-se o período de 50 minutos para uma aula na escola, tempo máximo em que um indivíduo era capaz de se manter concentrado. Hoje, desenhos animados têm duração de cinco minutos, pois a capacidade de concentração caiu para essa faixa de tempo. Desenhos animados, comerciais, desenhos animados, comerciais... Estaria a arte de tocar piano destinada a desparecer de nosso tempo? Quantos anos são necessários, quanta persistência requer para tocar um instrumento? 

A repercussão das recentes notícias sobre casos de suicídios entre alunos de escolas de elite, em São Paulo, deixaram alertas pais, professores e instituições de ensino sobre um problema que tem aumentado no país. Em pesquisa do Ministério Público, em 2017, o suicídio foi apontado como a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Para reverter o quadro é preciso atuar preventivamente desde a infância. Uma possível saída é fortalecer a resiliência de nossos filhos em idades precoces, estando presente, dando afeto, estabelecendo limites, escutando suas angústias, estimulando o diálogo. 

Hoje, presenciamos o mundo digital invadindo precocemente a vida das crianças. Se em um restaurante, por exemplo, a criança começa a chorar, os pais entregam imediatamente um celular nas mãos para que ela se distraia e, finalmente, o silêncio impera e podem fazer a refeição tranquilamente. Assim, nasce uma geração menos tolerante ao tédio, à frustração. Uma geração mais imediatista, com tendência a valorizar o menor esforço. 

A adolescência, em si, já é uma crise, uma fase de transição entre alguém que não deixou de ser totalmente criança, mas que ainda não é um adulto. Um conflito entre a dependência dos pais e a autonomia. Na verdade, o cérebro do adolescente ainda não está pronto para a vida. O córtex pré-frontal, estrutura nobre do cérebro, amadurece por volta dos 21 anos e é o responsável pela capacidade de julgamento, previsão de riscos, controle dos impulsos. Por esse motivo é preciso que os pais “emprestem seus cérebros” aos filhos, por meio do diálogo, estabelecendo sempre um canal aberto de comunicação e de confiança. Quanto mais se treinar o diálogo desde os anos iniciais da educação (ao redor dos sete anos de idade), menos trabalhoso será orientar os filhos no futuro. Quanto mais investimento pais e escola fizerem no desenvolvimento emocional dessa criança que está crescendo, menos turbulenta será essa fase. 

É importante dizer que há alguns fatores de riscos ao suicídio que podemos identificar e aos quais devemos ficar atentos: alteração de comportamento; perda de interesse; baixo rendimento escolar; isolamento social; baixa autoestima; bullying; uso de álcool, maconha e outras drogas; histórico de suicídio na família e pais com doença mental. É bom destacar aqui também dois mitos muito ouvidos em conversa quando alguém tenta ou tira a própria vida: “Quem deseja se suicidar não avisa”. Não é verdade, pois muitos suicidas comunicam o desejo antes de cometer o ato. Outro mito: “Conversar sobre suicídio pode levar o adolescente ao ato”. É muito importante, sim, conversar abertamente sobre o assunto, demonstrando interesse e preocupação com o jovem. 

Fora do núcleo familiar, a escola é o local onde os jovens passam a maior parte de suas vidas, por isso é tão importante a parceria entre família e escola para apoiar o adolescente em seu desenvolvimento saudável, procurando identificar fatores de risco e, sobretudo, estimular o desenvolvimento de novos repertórios intelectuais e emocionais.

A maior parte dos adolescentes que tentam ou cometem suicídio apresentam associação com outras doenças mentais, por isso é necessária a avaliação psiquiátrica e psicológica. Família, escola e profissionais de saúde devem estar alinhados na promoção da saúde do adolescente, reduzindo os fatores de risco e fortalecendo os fatores de proteção ao suicídio. 

* Psiquiatra; diretor-clínico da Clínica Maia; médico da Maia Jovens, unidade especializada em crianças e adolescentes