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Lá vem o Brasil, descendo a ladeira

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A divulgação feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do módulo de renda para 2017 da PNAD-Contínua no dia 11 de abril confirmou o que já era previsto: os índices de pobreza e desigualdade continuam piorando. Políticas sociais de inclusão e redistribuição pareciam ter colocado o Brasil num caminho de evolução no que diz respeito à justiça social, mas, olhando para os dados apresentados, parece que o país engatou uma marcha ré e agora acelera desgovernado sem saber aonde irá parar. 

A pobreza e a desigualdade não se definem somente pela renda, e sim por um conjunto maior de determinantes, materiais e imateriais. Mas a disponibilidade de dinheiro pesa muito em países com a economia tão monetizada como a nossa. Portanto, o rendimento médio mensal, com o qual trabalha a PNAD, é um índice que informa com acerto a situação de ricos, pobres e da desigualdade no país. 

A pesquisa mostrou que os 10% mais bem remunerados detinham 43,3% da massa de rendimentos, enquanto que os 10% de menor renda ficaram apenas com 0,7% dessa massa. E o 1% mais rico teve um rendimento 36,1 vezes maior do que o rendimento médio da metade de baixo da pirâmide social. 

Até aqui ainda estamos falando dos 50% de menor renda. E os brasileiros mais pobres entre os pobres, que são classificados como em extrema pobreza? Processando-se dados desta PNAD Contínua e adotando-se uma linha de corte internacional de extrema pobreza no valor de US$ 1,25 per capita/dia, usado no Plano Brasil sem Miséria, verifica-se o agravamento ainda mais profundo da situação. No ano anterior, o retrocesso já se configurava, com a extrema pobreza voltando aos números de dez anos atrás. Em 2017, ela salta para 11,8 milhões de brasileiros, ou 1,9 milhão de pessoas a mais nessa condição. É como se mais do que toda a população do Tocantins fosse lançada na extrema pobreza de um ano para o outro. 

O desemprego aparece como a principal causa do acelerado empobrecimento. Em 2014, o Brasil vivia um momento de pleno emprego. Bastaram três anos para chegarmos ao elevadíssimo índice de 12,7%, o maior da série histórica iniciada em 2012. Para a população pobre e com menor escolaridade, a situação de desocupação se mostrou ainda mais grave. A menor atividade da construção civil e de outros segmentos empregadores deste setor cobrou um preço alto para este grupo, seja diretamente com a perda de postos de trabalho, seja pelo subsequente enfraquecimento da economia informal, que eles costumam protagonizar. Soma-se a isso a aplicação de um receituário de políticas públicas que teve na Reforma Trabalhista aprovada em 2017 e na legislação da terceirização os principais instrumentos para o crescimento da informalidade e a precarização das condições de renda e trabalho. 

Outro ponto importante a se destacar dos dados divulgados pelo IBGE é que os domicílios que recebem Bolsa Família caíram de 14,3% para 13,7% do total. O governo exalta o fato de que acabou com a fila dos que demandavam a entrada no programa. Mas há que se perguntar onde estão todos aqueles que perderam seus empregos. A conta parece não fechar. 

Com todo este cenário preocupante, precisamos discutir a revogação da Emenda Constitucional 95, que criou o teto dos gastos públicos por 20 anos e que já causa efeitos absolutamente danosos aos programas sociais, com reduções orçamentárias significativas. O investimento em serviços básicos é fundamental para garantir uma vida digna para a população, que é exatamente o que o congelamento dos gastos do governo impede. Portanto, ele reflete melhor do que qualquer outra iniciativa a tendência em colocar na conta dos pobres os custos de uma crise que não criaram. E ainda aprofunda as outras faces da pobreza e da desigualdade, aquelas que vão além da renda e que dizem respeito à negação do acesso a serviços básicos, como saúde, educação e assistência social. O argumento do controle dos gastos públicos não autoriza a retirada de direitos sociais, como agora está acontecendo. A continuar assim, lá vai o Brasil, descendo a ladeira, e deixando para trás as chances de se tornar um país mais justo.

* Pesquisador da ActionAid e do Ibase, e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional