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Terminou

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Este ano santo de 2018 é pleno de recordações da política brasileira. Afinal de contas, 1968 não terminou, segundo Zuenir Ventura. Na minha memória tudo começou no fim de março, há 50 anos, quando os estudantes decidiram fazer uma passeata relâmpago, na frente do Calabouço, restaurante popular, perto do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Os tempos eram difíceis. Os militares no poder não estavam gostando dos protestos universitários. Mau humor generalizado. 

A Polícia Militar apareceu e executou as ordens. Reprimiu a rapaziada na base do cassetete. Bateu à vontade. O comandante da tropa, Aspirante Aloísio Raposo, foi mais longe: deu um tiro à queima roupa no peito de Edson Luís de Lima Souto, um paraense que veio para o Rio de Janeiro completar estudos secundários. Morreu na hora. Os estudantes levaram o corpo para a Assembleia Legislativa, onde foi velado. A passeata, que se iniciou como simples protesto contra elevação de preços do restaurante popular, transformou-se em crise nacional. 

No dia 04 de abril foram realizadas duas missas de sétimo dia na Candelária, no Rio de Janeiro. A primeira, de manhã, foi meio esquisita. Polícia por todos os lados. A outra, realizada às 19h, foi pesada. Terminado o ofício, os padres solicitaram que todos permanecessem dentro do templo. Eles saíram na frente e os estudantes atrás. A Igreja estava cercada por policias militares. Em outra linha estavam fuzileiros navais. E mais atrás policiais do Departamento de Ordem Política e Social, o famigerado DOPS. Barra pesadíssima. 

Os policiais indicaram que os estudantes só poderiam caminhar pela calçada à esquerda de quem desce a Avenida Rio Branco, em direção ao aterro. Assim foi feito. O comércio estava todo fechado. De repente, confusão na frente, bombas de efeito moral começaram a explodir. Outras de gás lacrimogêneo. Soldados a cavalo golpeavam as costas dos estudantes com sabres. Um meganha do DOPS desceu do jipe na minha frente e espetou uma metralhadora na minha barriga. Pronunciou alguns palavrões muito amáveis e me ameaçou de morte. A confusão me pegou em frente ao antigo prédio do Jornal do Brasil. O policial se distraiu e olhou para o lado. Corri descendo a Rua do Ouvidor. Levei umas lambadas nas costas e respirei com dificuldade. Olhei para frente, vi o camburão - chamado de coração de mãe – com as portas abertas. Desviei para a Travessa do Ouvidor, no exato momento em que um vigia de obra abriu a porta para saber o que estava acontecendo. Entrei rápido, pedi licença, silêncio e me acomodei debaixo de um andaime. Saí de madrugada, por volta das 4h, com cuidado. Fui a pé para casa. 

Hoje é fácil falar sobre o episódio. Na época, os ânimos estavam mais acirrados do que estão agora. Depois vieram as passeatas. Vi o Franklin Martins, mais tarde ministro do governo Lula, falar pendurado em poste. Também vi José Dirceu, utilizando o poste como tribuna, falar aos companheiros. Ele terá seu processo julgado nas próximas semanas e poderá começar a cumprir a pena de mais de 30 anos de prisão. Os comandantes de 1968 realizaram o que prometeram, mas não obtiveram os resultados pretendidos. 

Lula, o líder popular, foi utilizado pelo pessoal de 68 para levar a esquerda ao poder por via democrática. A tentativa de guerrilha já não tinha dado certo. Hoje, além de Lula estar preso, lideranças em diversos níveis do partido estão atrás das grades ou na expectativa de entrar em cana. Até Aécio Neves, que era um menino em 1968 (tinha 8 anos), jogou no lixo a bela herança deixada por seu avô, Tancredo Neves, o personagem excepcional que costurou a transição dos governos militares para os civis. Pavimentou o caminho para realização da Constituinte. Esse ciclo está se encerrando neste ano. Ao que parece, 1968, afinal, terminou.

* Jornalista