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As doenças negligenciadas: realidade atual

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Por seu elevado impacto econômico e social, os países do primeiro mundo têm recebido vultosos recursos para a atividade de pesquisa científica, tecnológica e de inovação. Tais recursos são liberados por agências governamentais, fundações privadas de natureza filantrópica e pelo importante setor industrial que movimenta cerca de US$ 1 trilhão por ano nas áreas de fármacos, medicamentos, diagnósticos laboratoriais e equipamentos médicos.  

A maioria dos investimentos é direcionada a um grupo seleto de doenças com maior efeito sobre a população,. Aqui incluo as doenças cardiovasculares e metabólicas (hipertensão, acidente vascular cerebral, diabetes); as doenças neurodegenerativas, como demência, Alzheimer, Parkinson, entre outras; e os diferentes tipos de câncer.  

Afinal essas doenças afetam grande parte da população. Nesses casos, privilegia-se a descoberta de novos fármacos e biofármacos, o desenvolvimento de próteses cada vez mais eficientes, o desenvolvimento da cirurgia minimamente invasiva, como a cirurgia robótica, e mesmo a chamada “internet das coisas”, aplicada ao acompanhamento em tempo real dos mais idosos em sua residência. 

Há, no entanto, que se lembrar que milhões de pessoas morrem precocemente em função de uma série de doenças causadas por agentes biológicos, constituindo um grupo de doenças em geral designadas como emergentes, reemergentes ou negligenciadas. Na maioria dos casos essas doenças afetam populações de baixa renda vivendo em países com pequeno grau de desenvolvimento. Logo, despertam muito pouco interesse do setor farmacêutico por falta de motivação econômica. 

Nesses casos, é fundamental o apoio dos governos e das fundações privadas no mundo, ainda que, infelizmente, sejam quase inexistentes no Brasil. Cabe às agências de fomento um olhar especial para essas doenças, mantendo o apoio às demais que constituem as principais causas de morte no país. 

Aqui cabe destacar as principais doenças que vêm recebendo apoio mais significativo para pesquisas científicas. Cerca de US$ 2,7 bilhões destinam-se a três doenças com altos índices de mortalidade e morbidade. Primeiramente, HIV/Aids, para a qual ainda não existe vacina e ainda responsável por 1,2 milhão de mortes por ano em países ricos e pobres. Em segundo lugar, a malária, transmitida por insetos, afetando principalmente países da África, com uma mortalidade de 730 mil pessoas em 2016. Em terceiro, a tuberculose, distribuída por todo o mundo e responsável por cerca de 1,1 milhão de mortes anuais.  

A pesquisa científica e tecnológica dessas três doenças recebeu, respectivamente, US$ 1,1 bilhão, US$ 576 milhões e US$ 568 milhões. As demais doenças, incluindo diarreias; dengue e outras vêm sendo apoiadas com muito menos recursos. A maior parte dos recursos tem sido aplicada em pesquisa básica, na busca por novos medicamentos, desenvolvimento de vacinas e melhoria no diagnóstico das diferentes doenças. O setor público tem sido o principal responsável pelo financiamento, com 62% dos recursos. Do total de financiamentos, 73% originam-se nos EUA, seguidos do Reino Unido, com 5%; e da Comunidade Europeia, com 3,8%. A contribuição do Brasil é de 1%. 

Todos esses números merecem uma reflexão visando um posicionamento mais condizente do Brasil em função de sua dimensão econômica, estágio de desenvolvimento científico e tecnológico e responsabilidade no contexto mundial no que se refere às doenças negligenciadas.

* Professor da UFRJ; membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina; diretor de Desenvolvimento Cientí?co e Tecnológico da Finep