ASSINE
search button

A quarta onda feminista

Compartilhar

#MariellePresente é a hashtag do momento. A expressão propagou-se por ruas, escolas, centros culturais e redes sociais com a mesma força que Marielle Franco usou para resistir na trajetória como mulher, negra, pobre, mãe adolescente e bissexual. Marielle não apenas superou todas as dificuldades impostas pela sua condição social, mas tornou-se voz representativa dessas camadas quando foi eleita vereadora. 

#MariellePresente é a hashtag do momento porque, sim, Marielle existe nas 104 milhões de mulheres que formam a população brasileira; 6,3 milhões a mais do que os homens. Os números são do IBGE. Também permanece presente nos dados assustadores que demonstram que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras, segundo o Ipea e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Marielle se expressa ainda nos 50 milhões de brasileiros que vivem na linha da pobreza. E no meio milhão de crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos que se tornam mães, de acordo com o Ministério da Saúde. O Brasil é o quarto país do mundo no ranking de casamento infantil – que envolve meninas com menos de 18 anos. E o primeiro da América Latina, segundo o Banco Mundial. Obviamente, o casamento infantil é uma das causas da violência doméstica contra a mulher. Ironicamente, a mulher negra e pobre, que foi mãe adolescente e se chamava Marielle Franco não morreu vítima da violência doméstica, problema crescente e consequente da falta de políticas públicas e educacionais no país. Foi assassinada pela ausência de proteção do Estado, enquanto denunciava desmandos policiais sofridos por adolescentes pobres e negros. 

Marielle também está presente nos 20 milhões de brasileiros que se declaram gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e transgêneros, segundo números da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, a ABGLT. 

A presença de Marielle em populosas camadas sociais joga luz sobre a urgência de se garantir a segurança dessas pessoas e aumentar ainda mais o alcance dos movimentos feministas. A abrangência da hashtag #MariellePresente endossa o crescimento da quarta onda feminista, que tem a internet entre os principais instrumentos de reivindicação e luta. Na esteira da presença de Marielle estão #DeixaElaTrabalhar, campanha de jornalistas esportivas contra o machismo, dentro e fora das redações; #jornalistascontraoassédio, com nome autoexplicativo; #meuamigosecreto, usada por mulheres que relatavam situações de machismo de colegas, chefes ou mesmo amigos e familiares próximos. Em escala global, #askhermore, em que atrizes reivindicavam serem alvos de perguntas mais relevantes do que simplesmente as relacionadas ao vestido ou joias usadas no Oscar, seguida pelas #MeToo e #TimesUp, contra o assédio sexual e pela igualdade de gênero no cinema.  

Ainda não se sabe quem matou Marielle, mas as investigações seguem acompanhadas por autoridades e amigos da vereadora, que ganhará uma instalação de arte como homenagem permanente em Nova York e foi tema de vários atos de solidariedade pelo Brasil e mundo. A execução de Marielle não passou em branco como esperavam os criminosos. Sua morte abriu caminho para que a luta social, feminina e feminista, siga mais forte pelas redes reais e virtuais. Se depender da vigilância da sociedade, o assassinato não ficará impune. E a punição dos culpados comprovará que a luta de Marielle não foi em vão. A voz de Marielle seguirá ecoando. Marielle seguirá presente.

* Jornalista