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A habitação como uma mercadoria

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A construção civil tem sido termômetro da economia. Quando a crise econômica se instala, é a primeira a desempregar. Quando há índices de relativa melhora, é estimulada como grande geradora de empregos de baixa qualificação. É o que se observa neste momento: a tentativa de reaquecê-la de modo a reduzir o desemprego. 

O mercado imobiliário ainda não deu sinais de recuperação e, assim, o poder estatal tenta remontar programas para a construção de habitações populares. 

Repetem-se os mesmos erros desde a época do extinto BNH - a habitação popular tratada em grande escala, qual produção em massa, como se fosse a única forma de enfrentar o déficit habitacional, hoje na casa de 6,2 milhões de unidades. 

Desengaveta-se o equivocado projeto Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que reproduziu erros históricos. Imensos conjuntos habitacionais afastados dos centros de serviços das cidades, com infraestrutura precária de saneamento e de transporte. Edificações mal concebidas e construídas, tipologias repetidas a serviço da lógica da produção em série para baratear o custo e atrair empreiteiras com melhores margens de lucro. Ou seja, a habitação vista como mercadoria, sem levar em conta que ali irão morar famílias. 

O maior conjunto construído pelo MCMV para cerca de 55 mil pessoas, na periferia de Manaus, com 8.855 unidades, ameaça desmoronar, obrigando a Defesa Civil a recomendar evacuação parcial, por considerar os imóveis irrecuperáveis. Este não é um caso isolado, é a realidade encontrada em inúmeros empreendimentos do programa. 

O programa habitacional brasileiro é um modelo ineficiente, porém recuperável desde que sofra alterações profundas na sua concepção. 

Uma correta política habitacional deve afastar-se de demagogia e populismo, que tratam habitação como número estatístico e econômico, somente teto e não moradia, com crédito, família, vizinho, rua, comércio e áreas verdes da cidade formal. 

Priorizar a busca de vazios e áreas urbanas ociosas no tecido das cidades, já providas de infraestrutura, para a construção de pequenos conjuntos e fortalecer a autogestão da construção de casas, mediante a criação de cooperativas formadas pelas instituições de representação social e/ou comunitária, são ações que nortearão uma política habitacional mais humana, permanente e realista. 

Um conjunto habitacional gerido, desde o projeto, por quem irá nele residir pode assegurar qualidade melhor das moradias. Esta não é uma proposta abstrata, nem romântica, pois já vem ocorrendo com sucesso em alguns poucos programas governamentais. Trata-se, portanto, de valorizá-la e aperfeiçoá-la. 

As cidades são construídas por seus cidadãos, que nos têm apontado soluções de moradia. O que cabe ao Estado é respeitar esse saber popular e garantir o bom projeto e a segurança das habitações. 

A segregação sócio-espacial não é fato a ser aceito com naturalidade. Deve ser combatido. O que ele expressa é o princípio da dominação pelo establishment, pois veículos de comunicação de massa uniformizam o pensamento dos cidadãos, e a separação física do habitat, trabalho e cultura aprofunda o sentimento coletivo de não pertencimento à cidade. 

Utiliza-se o urbanismo para atomizar e segregar as classes sociais. Ao se determinar que cada uma delas fique em seu quadrado, tenta-se estabilizar e neutralizar as tensões urbanas. Fugaz ilusão, porque os conflitos sociais não se subordinam aos limites físicos de territórios e são eles que fazem avançar as sociedades, escrevendo e reescrevendo sua história.

*Arquiteto e urbanista